Crítica

A morte do pai é o fim da existência do próprio Felipe. Com o falecimento do patriarca, o jovem retorna para uma casa que não é sua, mas sim da família onde a mãe trabalha, no interior de Santiago. Porém, o rapaz agora é Elena (Daniela Vega), algo que Coya (Rosa Ramirez) não espera de seu filho único. Um debate tão atual e impactante que é a identidade sexual de gênero ganha o debate de uma forma extremamente sensível nas hábeis mãos e palavras de seu realizador, o diretor e roteirista Mauricio López Fernández.

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O cineasta já havia contado esta história (em parte) no seu curta homônimo de 2010 – num caso parecido com o do brasileiro Hoje Eu Quero Voltar Sozinho (2014) -, mas aproveita os 80 minutos de tela para esmiuçar o preconceito velado perante uma nova identidade sexual. Acima de tudo, a dificuldade das relações familiares expostas na tela e que ganham novos contornos com a chegada de Elena. Seria o equivalente das mudanças provocadas por Jessica (Camila Márdila) quando esta chega à casa onde trabalha a mãe, Val (Regina Casé), em Que horas Ela Volta?. Porém, ao contrário do longa de Anna Muylaert, Fernández se foca mais na temática sexual, deixando a briga implícita de classes de lado – o que não torna o longa inferior ou o contrário, apenas toma outro caminho.

No velório de três dias, muito se passa na cabeça dos presentes, mas pouco é dito, explanado. O choque da descoberta sobre transexualidade de Elena deixa Coya ainda mais fechada do que de costume, causando na (agora) filha, uma confusão de sentimentos sobre si, questionando se a revelação foi intensa demais, levando a própria a querer voltar a ser Felipe. Ainda que seja apenas uma forma de se reconectar à mãe. Uma triste verdade que atinge muitas famílias do lado de cá da tela, onde o transexual não pode revelar quem é de verdade com medo de se machucar.

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Com isso, a morte do pai, já muito esperada por anos, acaba ganhando contornos de um incidente que leva a esta situação de reencontro, mas Fernández nunca deixa o texto cair na leviandade sobre a morte, apenas ameniza o impacto para discutir o que realmente quer. Por sinal, o texto é acompanhado de silêncios que expõem muito mais do que palavras poderiam sugerir. Decepções, culpas e conflitos internos permeiam o ambiente, que só tem volume quando as três crianças pequenas da casa correm de um lado para o outro, alheias aos dramas que ocorrem na casa.

Por sinal, a família dona da casa também enfrenta seus próprios dramas, como um caro casamento prestes a falir (o que reflete num conflito direto com a sexualidade de Elena) e uma avó doente (uma excepcional participação de Carmen Barros). Por conta desta atmosfera silenciosa, as atuações se destacam ainda mais pelas expressões dos intérpretes, especialmente da dupla de protagonistas. Daniela Vega, também trans no lado de cá da tela, esconde uma tristeza genuína por trás de cada uma de suas ações. Rosa Ramirez não fica longe com a falta de entendimento e compreensão sobre a nova identidade de sua prole.

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Com sua curta duração, A Visita consegue exprimir diversos sentimentos sem afogar o espectador, mas sim faze-lo refletir. A atmosfera humanista da narrativa propõe novos pontos de vista sobre uma questão tão urgente como a transexualidade na nossa sociedade, mas, acima de tudo, questiona os laços familiares e fraternais que construímos (ou deixamos de lado) ao longo dos anos. Um filme poderoso que, com tão pouco, fala muito.

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é crítico de cinema, apresentador do Espaço Público Cinema exibido nas TVAL-RS e TVE e membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista e especialista em Cinema Expandido pela PUCRS.
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