Crítica

A arte existe porque a vida não basta. A máxima do poeta maranhense Ferreira Gullar serve tanto para simplificar o que move muitos artistas quanto para resumir o filme de Caio Tozzi e Pedro Ferrarini, A Vida Não Basta. Para Gullar, a arte também é uma reinvenção da realidade. Assim, neste delicado e tocante documentário nacional, somos apresentados às perspectivas de pessoas que vivem de reinventar realidades a partir da arte, justamente porque, para eles, a vida por si só não é o bastante.

A partir de uma câmera estática, com uma cadeira e um fundo preto como cenários, o filme se constitui basicamente de depoimentos instigantes e algumas vezes emocionantes de personalidades como o músico Toquinho, a atriz Denise Fraga, o escritor Milton Hatoum, a cineasta Laís Bodansky, os quadrinhistas Fábio Moon e Gabriel Bá, o estilista Ronaldo Fraga e o dramaturgo Leonardo Moreira. A estética simplista e a escolha pelo formato tradicional de documentários observativos se mostra a mais assertiva, uma vez que os entrevistados relatam vivências e pontos de vista tão ricos e repletos de significados que quaisquer outros artifícios seriam apenas ruído.

Para não tornar a narrativa cíclica ou cansativa, Tozzi e Ferrarini pontuam suas entrevistas com pequenas interrupções, por vezes do próprio Ferreira Gullar, que com sua iluminada presença se destaca em algumas das mais bonitas passagens do documentário, ou com pequenos segmentos de passagens urbanas e transições da vida cotidiana captadas pela belíssima fotografia de Leo Rudá. É natural esperar pelo retorno de um ou outro personagem, porém os depoimentos se transformam quando percebe-se que todas as contribuições ultrapassam o mero registro documental ou biográfico e se tornam elucidativas, inteligentemente pontuando motivos para decifrar porque a arte é tão importante.

E por que a vida não basta? Primeira indagação para cada um dos entrevistados, o filme revela a partir dessa complexa questão detalhes sobre as vidas e obras dos personagens que apresenta; histórias ora inspiradoras, ora melancólicas, mas que em totalidade buscam os motivos que fazem da arte algo intrínseco em suas vidas. E não há resposta alguma em A Vida Não Basta que não correlacione arte e vida: ambas são inseparáveis. Nesse sentido, o filme se torna obrigatório para qualquer um que já tenha sido tocado pela arte, mas que nunca tenha racionalizado e buscado pelos motivos.

Para Hatoum, tudo o que ele já escreveu passou por sua vida, a partir de experiências que foram subsequentemente transformadas em arte. Toquinho, exímio autodidata em sua música, traça paralelos entre arte e formação, instrução e sabedoria. Denise Fraga, com seu carisma magnético, é quem entrelaça a arte com a paixão e emoção, especialmente quando pontua que a manifestação artística capta mente e coração. Para os cinéfilos que chegarem ao filme esperando perspectivas da arte cinematográfica, as de Laís Bodansky são pontuais e enriquecedoras, especialmente quando reflete sobre a possibilidade do cinema gerar debates – algo que A Vida Não Basta faz brilhantemente.

Crítica, herança, audiência, trabalho e outras perspectivas também são tecidas e analisadas enquanto A Vida Não Basta se desenvolve e captura por completo o espectador, que em algum momento sente-se parte de uma agradável conversa que poderia não ter fim.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Graduado em Publicidade e Propaganda, coordena a Unidade de Cinema e Vídeo de Caxias do Sul, programa a Sala de Cinema Ulysses Geremia e integra a Comissão de Cinema e Vídeo do Financiarte.
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