Crítica

A Última Estrada da Praia é o primeiro longa-metragem do diretor Fabiano de Souza. Adaptado livremente de O Louco do Cati (1942), romance político de Dyonélio Machado (1895 - 1985), o filme estrutura-se como um road movie clássico. O trio de amigos Leonardo (Marcelo Adams), Paula (Miriã Possani) e Norberto (Marcos Contreras) programa-se para realizar uma viagem sem destino ao litoral do Rio Grande do Sul. Minutos antes da partida, Norberto, o mais puro espírito livre, convida um desconhecido (Rafael Sieg) para se juntar aos demais nessa experiência.

Concebido originalmente como curta para a série Escritores, da RBS TV, A Última Estrada da Praia transformou-se em longa quando os realizadores Rainer e Okna Produções apostaram na complementação do trabalho - clássico exemplo de como o cinema brasileiro ainda depende de soluções criativas para existir. Com isso não é difícil entender – do mesmo modo como não é difícil constatar – a demarcação do filme em dois grandes momentos. O primeiro, o qual concentra a maioria das cenas de ação, se desdobra a partir do início, quando os amigos encontram o desconhecido e partem rumo ao litoral. O segundo, voltado para cenas de natureza psicológica,  se dá a partir da dissolução do grupo, com a concentração do foco narrativo sobre os personagens de Contreras e Sieg até o desfecho.

Se é de se esperar que os maiores acertos estejam nas questões menos complexas, o desenvolvimento das cenas envolvendo o grupo evidencia os principais equívocos. De início, são igualmente estranhos o trio de amigos e o desconhecido. Espera-se, então, que o roteiro nos ofereça a oportunidades adequadas, sejam pelo plano físico (ações e reações) ou psicológico (pensamentos, autoconsciência etc), para que possamos romper o estranhamento com os personagens. No entanto, é marcante como a estrutura composta por blocos viagem-parada-viagem apresenta-se pouco eficiente para reforçar as idiossincrasias do trio. Na mais direta das tentativas, quando o grupo divide o interior de um ônibus, há um esforço insuficiente nesse sentido. Norberto, diferentemente de Leonardo e Paula, projeta a forma de seu personagem em situações isoladas, como quando resolve procurar pelo desconhecido durante a noite. Apenas a cena de rompimento entre o primeiro e o segundo momento, na qual há um forte desentendimento de Norberto com os companheiros, consegue desconstruir com intensidade a linearidade (da ausência) dos caráteres.

O recurso de filmar primordialmente com a câmera na mão consegue boas cenas e, por vezes, constrói sequências que alçam o filme a um patamar mais elevado. Por outro lado, o uso indiscriminado não raramente perturba a conexão do público com a cena, em prejuízo desta. Da mesma forma, os vícios televisivos em enquadramentos como o do rosto da cobradora de ônibus, logo no início, não colaboram para a fruição do longa.

O segundo momento de A Última Estrada da Praia volta-se primordialmente para a relação de Norberto com o desconhecido. A estridente e excessiva atuação do trio é eliminada em vistas do ganho indubitável de introspecção. A exigência redobrada das atuações de Contreras e Sieg, bem como da direção e do roteiro não parece ser um problema. É, aliás, diante da perspectiva desafiadora de expressar o máximo com o mínimo que a direção de Fabiano mostra-se mais contundente e encaminha o filme ao encontro de seus melhores momentos. A conjunção dos silêncios e da imensidão desoladora das praias proporcionam um segmento dramático que culmina no desespero de Norberto ao interpelar seu companheiro, pois a relação de cumplicidade entre ambos se funde na mesma necessidade: ao buscar salvar-se, Norberto nem imagina que salva também quem o acompanha.

O ponto menos sofisticado desse segundo momento é justamente o final. Longe de fazer jus à pulsão de vida que encontramos até então, a decisão de Norberto ao ficar na casa de alguém que conhecera há poucos minutos soa mais como final apressado do que decisão embasada em seu personagem ou em sua busca.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação dos Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul, e da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Tem formação em Filosofia e em Letras, estudou cinema na Escola Técnica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Acumulou experiências ao trabalhar como produtor, roteirista e assistente de direção de curtas-metragens.
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