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Sinopse

Um médico, atormentado após ver sua esposa morrer queimada, cria um tipo de pele sintética resistente a qualquer tipo de dano. Ele está disposto a tudo para realizar testes. A principal cobaia é Vera, uma mulher misteriosa e volátil que possui a chave para a sua obsessão.

Crítica

Pedro Almodóvar é um dos principais nomes do cinema contemporâneo internacional. Por isso, cada novo trabalho dele desperta interesse e atenção. A boa notícia é que A Pele que Habito justifica qualquer curiosidade levantada. Este não só é um dos melhores longas assinados pelo diretor espanhol como também, simultaneamente, consegue marcar o início de uma nova fase do realizador, mais sombria e profunda, e ainda ser fiel aos temas que fizeram sua consagração, como as questões psicológicas, sexuais e familiares. Um filme surpreendente do início ao fim, mesmo que entregue exatamente o que os fãs e admiradores estejam esperando.

As camadas dispostas pelo enredo de A Pele que Habito são tantas que chega a ser um pouco confuso saber por onde começar! De imediato temos Antonio Banderas – voltando a trabalhar com Almodóvar após mais de 20 anos – como um respeitável cirurgião plástico. Ao mesmo tempo em que é celebrado no ambiente profissional, ele mantém uma moça (Elena Anaya, de Mulher-Maravilha, 2017) reclusa em sua própria casa, trancada em um quarto e observada constantemente por monitores espalhados pela residência. A única pessoa além dos dois a ter consciência dessa situação é a governanta (Marisa Paredes), uma espécie de braço direito dele. Aos poucos outros elementos vão se juntando à trama, como um irmão bastardo, um estupro aparentemente impune, traições conjugais, suicídios e uma pele sintética revolucionária.

Após flertar com o noir no anterior Abraços Partidos (2009), Almodóvar se entrega de vez ao gênero. A Pele que Habito é um misto de thriller com suspense, porém não se contenta em ficar apenas na superfície dessas pré-definições, aventurando-se em percorrer caminhos mais confusos e misteriosos. A proposta do cineasta é criar um mundo em que a injustiça é justificativa suficiente para qualquer ação que busque uma reparação. E ele pede ao espectador que lhe dê as mãos e siga ao seu lado. Será fácil por alguns momentos duvidar de tudo que está sendo exposto e se resguardar na segurança da inverossimilhança. Estes, no entanto, estarão negando a si mesmos as possibilidades de uma trajetória intensa e assustadora, mas igualmente excitante e reveladora – tanto no campo da ficção quanto em uma relação mais pessoal.

Um dos pontos fortes de A Pele que Habito é a interpretação segura e contida de Antonio Banderas, que aparece em cena com uma desenvoltura como há anos não se via. Ele amadureceu bem diante dos olhos de Almodóvar, e se antes seguíamos imaginando-o como o intempestivo e enérgico rapaz de Ata-me (1990) e A Lei do Desejo (1987), aqui mostra que o passar do tempo só lhe fez bem. Sem os clichês hollywoodianos por perto, se apresenta como um intérprete de talentos pouco explorados e que merece uma observação e análise mais atentas. O pesadelo que cria com seu personagem é quase digno de um Doutor Frankenstein, porém menos megalomaníaco – mas ainda assim perigoso e insano.

Pedro Almodóvar possui alguns clássicos indiscutíveis em sua filmografia – Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos (1988), Tudo Sobre Minha Mãe (1999) e Fale com Ela (2002) – e pequenas preciosidades – Que Fiz Eu para Merecer Isto? (1984), De Salto Alto (1991) e A Flor do meu Segredo (1995) – mas também alguns trabalhos que foram incompreendidos por grande parte do público e da crítica – Maus Hábitos (1983), Kika (1993) e Má Educação (2004). A Pele que Habito deveria estar na primeira categoria, apesar de muitos insistirem em classificá-lo na terceira. Com sorte, acredito, essa verdadeira obra-prima irá se resguardar na segunda posição. O que na verdade será um mérito, pois irá provocar um prazer ainda maior naqueles que decidirem percorrer os trajetos da mente, da paixão e do desejo tais quais imaginados por um dos maiores autores do cinema atual.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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