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Sinopse

Victor está nervoso diante da possibilidade de casar-se. Sozinho na floresta para ensaiar seus votos, tropeça no braço do cadáver de uma noiva assassinada depois de fugir com seu amor. Ela então o leva ao mundo dos mortos.

Crítica

O ano de 2005 foi muito bom para Tim Burton. Depois de passar pelo fracasso crítico da sua versão de Planeta dos Macacos (2001) e da esnobada do público para o emocional Peixe Grande (2003), ele conseguiu emplacar dois sucessos que agradaram tanto gregos quanto troianos. Primeiro, foi sua reinvenção para o clássico infantil A Fantástica Fábrica de Chocolate, que, ao ser mais fiel ao livro de Roald Dhal do que à versão cinematográfica de 1971, acabou fazendo bonito nas bilheterias de todo o mundo. Em seguida, foi a vez de A Noiva Cadáver, mais um conto gótico realizado em animação stop-motion aos mesmos moldes de O Estranho Mundo de Jack (1993), produzido pelo cineasta quase quinze anos antes.

Apesar de ser o décimo segundo longa-metragem assinado por Tim Burton, A Noiva Cadáver tem seu lugar de destaque dentro da cinematografia do cineasta por ter sido responsável pela primeira indicação ao Oscar que o artista recebeu – como Melhor Longa de Animação. Ainda que muitos dos seus filmes anteriores tenham sido indicados – e premiados – foi apenas com este trabalho que seu talento diferenciado e inovador foi finalmente reconhecido entre os grandes do cinema hollywoodiano. Premiado no National Board of Review e indicado ao Critics Choice Award, mostrou-se também uma aposta afiada nas bilheterias – ainda que tenha custado US$ 40 milhões, arrecadou cerca de três vezes este valor em todo o mundo.

Premiado também no Festival de Veneza – pelo uso de técnica inovadora – A Noiva Cadáver é uma obra exatamente de acordo com o que se está acostumado a esperar do cineasta. Co-dirigida por Mike Johnson (que cuidou mais do processo das filmagens, enquanto Burton supervisionava as animações), esta obra é baseada numa lenda do folclore russo sobre um rapaz que, receoso em enfrentar um casamento arranjado pelos pais, acaba acidentalmente colocando sua aliança nos dedos esqueléticos de uma noiva já falecida. Com isso ela acorda e toma-o como esposo, para seu espanto. A partir de então ele ficará dividido entre o mundo dos vivos – escuro, amargo, opressivo, conspiratório – e o dos mortos – colorido, alegre, divertido, liberal – até se decidir por qual caminho irá percorrer.

Victor Van Dort (mais uma composição marcante de Johnny Depp, que aqui empresta sua voz para alguém distante do tipo heroico do ator, aproximando-se mais dos personagens esquisitos e adoráveis frutos de suas parcerias com Burton) precisa se casar, assim como Victoria Everglot (Emily Watson) possui sua parcela de responsabilidade – se a família dele busca respeitabilidade ao se associar a uma família tradicional, a dela precisa urgentemente da fortuna dos novos ricos para evitar a bancarrota. Os motivos que estimulam seus pais são vis, torpes e interesseiros. Os dois, no entanto, pouco podem opinar, pois da mesma forma que não se conhecem, também não podem afirmar se há ou não a possibilidade de uma real atração entre eles.

Já o mundo do além, vislumbrando após do acréscimo à trama da personagem-título – interpretada com vigor por Helena Bonham Carter – é muito mais atraente e dinâmico. Surge, então, a curiosa contradição do filme: se os mortos parecem muito mais vivos do que os próprios cujo sangue segue correndo em suas veias, por quê voltar àquela existência cotidiana? E uma vez estabelecida as relações que surgem entre o protagonista masculino e suas duas noivas – e real, inocente e adorável, e a zumbi, determinada e dona de suas vontades – como escolher logicamente, se a emoção envolvida tenta nos afastar com real empenho da razão?

Uma das melhores coisas de A Noiva Cadáver se chama Danny Elfman. Além do visual alucinante, da fotografia encantadora e dos bonecos perfeitos e muito engraçados, são as sequências musicais compostas pelo ex-líder da banda Oingo Boingo que correspondem por muitos dos melhores momentos da produção. Com uma narração pontuada por estas intervenções musicais, Elfman repete – de modo melhorado – o que havia feito antes em muitas de suas parcerias com Burton: confere à música uma importância que vai além do mero adereço, se posicionando como parte relevante do enredo e garantindo a atenção total do espectador, que aguarda com ansiedade pelas próximas canções e o que elas irão representar dentro do contexto fílmico.

A Noiva Cadáver, apesar de ser uma animação no seu formato mais tradicional, é mais recomendada aos adultos do que ao público infantil. Estes, principalmente os mais crescidinhos, também se divertirão, mas somente os mais vividos é que conseguirão captar com melhor aptidão a gama de referências que o longa propõe, tanto visualmente quanto nos diálogos. É uma trama adulta, acima de tudo. Os conflitos propostos – ganância, felicidade, amor, sedução – são complexos e intrigantes, que fazem pensar e refletir. Ao mesmo tempo, entretanto, tudo isto está embalado numa atmosfera mágica, atraente e divertida. Contradições aparentemente absurdas, mas que sob a condução de Tim Burton, um dos cineastas mais inventivos e originais da atualidade, casam com perfeição.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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