Crítica

A Menina dos Campos de Arroz é o trabalho de estreia da cineasta chinesa Xiaoling Zhu. E para dar seu primeiro passo na narrativa cinematográfica, a diretora não foi muito longe, contentando-se em falar daquilo que conhecia melhor: sua própria casa. Para tanto, ambientou sua história num vilarejo do interior do país, muito similar àquele onde ela própria nasceu, e escolheu como protagonista uma garota que, assim como ela um dia foi, também se encontra no momento em que precisa decidir entre ficar ou sair, agarrar-se ao passado ou partir para o futuro. O resultado é um filme bonito e sensível, que tem uma ambientação de conto de fadas, ainda que possua os dois pés bem calcados na realidade.

A Qiu (Yang Yingqiu) tem apenas doze anos de idade e, junto com o irmão caçula, mora junto com os avós, em uma vila de arrozais distante da cidade grande. Os pais os deixaram há muito tempo e se mudaram para a capital em busca de melhores oportunidades de trabalho. Os dois passam o dia inteiro correndo, e mal tem tempo para pensar em si mesmos, que dirá nos filhos que ficaram para trás. O cenário muda quando a avó morre, e o avô, sozinho, fica sem condições de cuidar dos netos. No primeiro feriado, os adultos retornam, e sem conseguirem ajeitar as coisas com a rapidez que esperavam, vão ficando. Permanecendo até começarem a se questionar onde, de fato, pertencem: aqui ou lá?

O filme de Xiaoling Zhu é inteiramente contado em primeira pessoa, através de um relato em off da protagonista. Assim temos contato direto com suas impressões sobre a vida, as pessoas que a cercam e suas expectativas em relação ao futuro. Ela reconhece a diferença de idade com a avó e percebe que o mundo hoje é outro, ao mesmo tempo em que sente sua falta e teme as mudanças que virão com sua falta. Fica feliz com a chegada dos pais e deseja secretamente que não mais partam, ao mesmo tempo em que se questiona quando ela própria terá que ir embora. Afinal, está crescendo, precisa seguir com seus estudos, e sabe que o mundo é grande demais para passar a vida toda limpando arroz. Há muito mais lá fora, ainda que de nada isso adiante se não reconhecer antes o valor do que está perto.

Outro feito de Xialoing Zhu foi ter trabalhado apenas com atores inexperientes e, assim, ir alternando momentos de improviso e perceptível inadequação com outros de extrema naturalidade. É preciso destacar também o mérito deste ser o primeiro longa da história a ser feito em dialeto Dong, próprio da região onde foi filmado. Não que isso, é claro, faça muita diferença ao espectador brasileiro. Mas é um sinal do cuidado que a realizadora teve com seu trabalho. A Menina dos Campos de Arroz é uma pequena e discreta fábula, que passeia tanto pelo idílico do cenário distante de tudo e de todos como oferece, vez que outra, choques de realidade que atentam para sua contemporaneidade. Um filme a ser descoberto, que recompensa nos pequenos detalhes, sem grandes surpresas, mas muita honestidade.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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