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Crítica


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Sinopse

Fatah é um agricultor que tem olhos apenas à sua vaca Jacqueline. Ele deseja levá-la a Paris, para uma feira de agricultura. E eis que surge o tão desejado convite.

Crítica

Se o espectador brasileiro fã de Ricardo Darín tinha em Um Conto Chinês (2011) a vaca mais curiosa a já ter dado às caras na tela grande, é bom se preparar para A Incrível Jornada de Jacqueline. Afinal, a personagem-título aqui é ninguém menos do que uma bela e gorda figura bovina, tirada pelo seu dono de sua pacata rotina de pasto e descanso no interior da Argélia para, ao lado dele, empenhar uma inusitada viagem – quase toda a pé – por toda a França, rumo a Paris, para participarem da Feira Internacional de Agricultura. É um daqueles episódios que parece bizarro demais para ser verdade – e, neste caso, não é mesmo. No entanto, é tratado com tanta consideração e carinho, que soa quase real. E é justamente esse respeito em sua abordagem que a faz diferente de tantas outras similares.

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Afinal, histórias de amizades entre homens e animais são tão velhas quanto o próprio cinema. Portanto, apenas pelo fato de, ao invés de termos um gatinho, um cachorro ou mesmo um porquinho de fazenda, nos depararmos com uma vaca leiteira, não quer dizer que isso seria o suficiente para garantir a atenção do espectador. Mas felizmente ela não está sozinha – e, como se trata de uma produção francesa, não há nenhuma tentativa de humanizá-la, concedendo-lhe direito à fala ou mesmo fazendo-se ouvir seus pensamentos. Batizado em seu país de origem com uma simplicidade espartana – apenas A Vaca – o verdadeiro protagonista da história, no entanto, é seu proprietário, o ingênuo e determinado Fatah, interpretado pelo comediante Fatsah Bouyahmed. Também autor do roteiro, ele é, de fato, a real preciosidade do longa dirigido por Mohamed Hamidi (roteirista de A Marcha, 2013).

Tratado em um tom próximo à fábula, A Incrível Jornada de Jacqueline se preocupa em acompanhar o passos de Fatah e Jacqueline quando os dois, após anos de insistência dele, são, enfim, convidados a participar do citado evento parisiense. Só que ele, ao lado da esposa e filhas, mora em uma pequena vila no interior da Argélia. Tratado por quase todos os vizinhos como maluco ou simplesmente bobo, ele consegue reverter o jogo com a notícia e motivá-los a ajudá-lo com o dinheiro necessário para a viagem. Sem demoras, partem, ele e a vaca, rumo à capital francesa. Porém, assim que atravessam o mar, dão início a uma nova etapa: percorrer o interior do país à pé, contando apenas com a ajuda de estranhos e com o bom humor e confiança destes heróis eventuais.

Talvez um pouco distante da vida real, em que seriam assaltados na primeira esquina, Fatah e Jacqueline encontram poucas provações pelo caminho. Mas elas existem, e se para cada cunhado (Jamel Debbouze, de O Fabuloso Destino de Amélie Poulain, 2001) que quer vê-los o mais longe possível, há sempre um fazendeiro fracassado (Lambert Wilson), porém de bom coração, disposto a oferecer um prato de comida e uma cama quente. O que não impedem algumas confusões, como uma bebedeira com aguardente de fruta (“a culpa é da pêra” tem tudo para virar o bordão do momento, caso o filme faça sucesso) ou uma prisão um tanto forçada por se envolver, sem intenção, em uma greve de agricultores. Assim, ainda que de forma superficial, os realizadores não se eximem de traçar suas críticas, seja pela falência da aristocracia rural ou pela atual condição econômica do país. Mohamed e Bouyahmed não negam em seus nomes suas condições familiares de imigrantes, e ainda que o discurso busque o riso, é impossível a eles evitar algumas verdades.

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E se a trajetória parece longa e singular, ela ganha ainda ares de reality show quando uma jornalista descobre Fatah e Jacqueline e faz deles assunto nacional – e até no exterior! Começa uma torcida a favor dos dois, representando, mais uma vez, a força dos pequenos frente ao impossível. A Incrível Jornada de Jacqueline não esconde sua previsibilidade e nem pretende ir além do que se propõe: divertir, porém com um pouco de reflexão. Justamente o que consegue, sem esforço nem exageros. Atuando dentro dos parâmetros do gênero road movie, em que todo personagem sai modificado após o processo ao qual é exposto, o mesmo acontece com o espectador, grato por se deparar aqui com um entretenimento leve, porém nunca descartável.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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