Crítica

No início dos anos 80, os filmes de lobisomem estavam em alta em Hollywood. Em 1981, apenas, foram lançadas três produções sobre o tema nos cinemas norte-americanos, começando pelo menos lembrado Lobos, trabalho ficcional solitário do documentarista Michael Wadleigh, e chegando a dois títulos cultuados pelos cinéfilos, realizados por uma dupla de talentosos cineastas em ascensão no período: Grito de Horror, de Joe Dante, e Um Lobisomem Americano em Londres, de John Landis. Este, acima dos outros, tornou-se referência para o subgênero dos licantropos, com sua mistura inventiva de comédia e terror alavancada pelos espetaculares efeitos de maquiagem do genial Rick Baker. Foi até com certo atraso, portanto, que este A Hora do Lobisomem foi apresentado ao público, ainda no rastro do sucesso dos longas citados.

Adaptado do romance homônimo escrito por Stephen King em 1983, o filme se passa num cenário característico do universo do autor: uma pacata cidade do estado do Maine, Tarker's Mill, que tem seu cotidiano transfigurado por eventos sobrenaturais. Os acontecimentos em questão são os horrendos assassinatos cometidos por um lobisomem que, sem muitas explanações, aparece em certa noite de Lua cheia do ano de 1976. A trama, contada em flashback, tem como narradora Jane Coslaw (Megan Follows), na época com 15 anos, que inicia seu relato com o primeiro ataque da criatura, adentrando, na sequência, a esfera da relação conflituosa com seu irmão mais novo, Marty (Corey Haim), preso a uma cadeira de rodas motorizada. Ele, “que não era tão ruim” e apenas acabava retendo a atenção quase completa dos pais em detrimento da irmã, surge como o protagonista da história.

Esse protagonismo deixa clara a perspectiva infantil, de aura aventuresca, adotada pelo diretor Daniel Attias em seu primeiro, e até hoje único, trabalho para o cinema. Tendo se dedicado posteriormente à direção de séries de TV, Attias iniciou sua carreira como assistente de cineastas renomados, como Steven Spielberg em E.T.:O Extraterrestre (1982), Francis Ford Coppola em O Fundo do Coração (1981), Wim Wenders em Hammett (1982) e Samuel Fuller em Cão Branco (1982), no qual já teria contato com uma ferocidade canina não tão distante da dos lobisomens, ainda que bem menos fantasiosa. Além disso, trabalhou com os mencionados Dante e Landis em No Limite da Realidade (1983), versão cinematográfica do emblemático seriado Além da Imaginação.


Estreando no comando, Attias não se mostra afeito à criação de uma atmosfera de suspense mais densa, nem mesmo à construção do mistério. Não demora mais que a metade da projeção para que a identidade do lobisomem seja descoberta por Marty, informação evidenciada ao público ainda mais cedo, por exemplo. Sua experiência pregressa, no entanto, especialmente o contato com Spielberg, parece ter influenciado na predileção e no bom tratamento dado ao olhar infantojuvenil, elemento recorrente também na obra de King. Assim, o cineasta investe numa jornada de amadurecimento, ainda que não se aprofunde nos dramas particulares de formação adolescente, estabelecendo com graça os laços familiares da relação de amor e ódio típica entre irmãos nessa idade, e na admiração de Marty pela figura do tio, Red (Gary Busey).

Encarnando um tipo expansivo, com problemas alcoólicos, mas sempre bem-humorado e dono de um bom coração, Busey está ótimo, proferindo tiradas improvisadas e sendo responsável por boa parte dos momentos mais engraçado e politicamente incorretos do filme ao tratar da imobilidade do sobrinho. Sua habilidade para a mecânica também é imprescindível, já que ele constrói uma nova cadeira de rodas para Marty, em formato de motocicleta, capaz de atingir altas velocidades, apelidada de Silver Bullet – a Bala de Prata do título original e referência ao método mais notório para se eliminar lobisomens. O elemento do horror não é completamente abandonado por Attias, já que as sequências dos assassinatos da criatura são bastante gráficas, não economizando no sangue e gore, cortesia do trabalho de maquiagem do especialista italiano Carlo Rambaldi e de Rick Baker.


Por mais que não seja tão inovadora e impactante quanto a de Um Lobisomem Americano em Londres, a figura do licantropo aqui, bem como suas transformações, convence na maior parte do tempo, tendo seu ápice visual na sequência de pesadelo do padre Lowe (Everett McGill) passada na igreja, com dezenas de criaturas. Contudo, o espírito de fantasia ingênua prevalece em A Hora do Lobisomem, com Attias tratando a mitologia de modo superficial, sem oferecer explicações. A construção dos personagens segue a mesma linha pueril, vide o incauto xerife vivido por Terry O'Quinn. O cineasta prefere focar em sequências movimentadas como aquela em que Marty é perseguido por um carro na Silver Bullet ou quando os moradores saem à caça do monstro. O conjunto claramente carece de consistência, mas isso não atrapalha sua proposta despretensiosa de entretenimento, que por vezes parece parodiar deliberadamente o subgênero no qual se insere. E Attias faz isso com notável prazer, como na cena da forja da bala de prata – a munição, não o veículo. Se não chega a ser memorável como o terror genuíno e apavorante do filme de Dante, ou como a comicidade fantasiosa e refinada da criação de Landis, ao menos consegue divertir com uma boa dose de liberdade e irreverência.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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