Crítica

Declarar guerra é evidenciar a iminência do embate ao inimigo, escancarar tensões que não se aquietam mais em seus nascedouros. É o que fazem Roméo e Juliette em A Guerra Está Declarada, quando, ainda em meio à curtição inicial do casamento, descobrem o tumor cerebral que ameaça ceifar a vida de seu filho Adam. Eles declaram guerra à doença, assumindo postos avançados como sustentáculos do pequeno e da família que padece junta. Aqui vale destacar que os autores do roteiro, Valérie Donzelli (também a diretora) e Jérémie Elkaïm - não por acaso também os intérpretes de Juliette e Romeo - passaram realmente pela situação que retratam na tela.

A Guerra Está Declarada é sensível por mesclar a agonia dos pais com os meios incomuns por eles utilizados nesta luta em que ganhar ou perder representa a sobrevida filial. Há momentos terrivelmente dolorosos, um deles quando Juliette expõe por telefone o diagnóstico fatídico, mas, como contraponto, há outros de grande suavidade e ternura, que tornam momentaneamente tudo menos opressor, tal o desabafo risonho dos protagonistas acerca das possíveis sequelas que a doença pode legar ao menino. Aliás, abundam estes pequenos instantes em que a lividez acolhe os penalizados na dolorosa conjuntura. Paradoxalmente, o humor acaba amplificando a dor e vice-versa.

A música desempenha papel importante em A Guerra Está Declarada, assim como as pequenas referências a clássicos da nouvelle vague. Ou alguém despreza que amar um joelho é coisa de Eric Rohmer e correr em direção ao mar é algo típico de François Truffaut para sublinhar raros momentos de libertação? Pela sacada do casal homônimo ao célebre duo romântico de Shakespeare, já se sabe de antemão que Roméo e Juliette estão fadados a algo trágico, e inclusive isto é profetizado por ele durante o primeiro encontro. O que não se imagina é que tal drama seja encarado pelos dois com a insólita capacidade de ressaltar os aspectos positivos das pequenas vitórias, na medida em que tomam distância dos efeitos progressivos da moléstia que acomete seu filho. Em meio a terrível situação, entendem que não há como vencer qualquer prélio nos papeis de soldados excessivamente fatigados ou derrotistas. Belíssimo filme.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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