Crítica

Texto clássico da literatura infantil francesa, A Guerra dos Botões foi adaptado pela primeira vez para o cinema em 1937 por Jacques Daroy. O livro escrito em 1912 por Louis Pergaud é tão importante que já teve diversas adaptações cinematográficas, e ressoa ainda hoje na França com tamanha força que, no ano passado, ganhou não uma, mas duas versões para o cinema. Ambas chegaram às telas no seu país de origem com apenas uma semana de diferença, numa verdadeira batalha pela preferência do público. Enquanto que a primeira – esta que agora chega ao Brasil – se assume como mais fiel à obra original, a segunda adotou um novo nome – La nouvelle guerre des boutons, ou A nova guerra dos botões – e provocou uma ligeira mudança temporal, situando-a durante a Segunda Guerra Mundial. Como ainda não é possível aos brasileiros julgarem qual das duas obras se sai melhor, nos resta apreciar a que já está por aqui e que, por si só, apresenta méritos suficientes para justificar o interesse despertado.

Estamos no interior da França, num período indeterminado (início do século XX, provavelmente). A vida é calma, as opções são poucas e o que une a todos é o nacionalismo e a sensação de unidade que só as pequenas comunidades podem oferecer. Neste cenário acompanhamos dois grupos de crianças, cada um de uma cidade vizinha à outra, que travam verdadeiras batalhas na tentativa de mostrarem qual é superior: qual é mais esperta, mais forte, mais ligeira, mais resistente. Os garotos de Longeverne, liderados pelo duro Lebrac (de apenas 12 anos, e ainda assim o mais velho deles), enfrentam, além das constantes provocações dos meninos de Velrans, a insistência de uma menina da sua própria região que deseja se unir a eles. O título vem da vergonha maior imposta aos perdedores de cada confronto: os botões das roupas são arrancados pelo vencedor, fazendo com que o derrotado não tenha como esconder em casa a derrota – e ainda levando uma reprimenda dos pais pela roupa estragada.

Assumidamente nostálgico, A Guerra dos Botões pode ter dificuldade de encontrar um público que se dedique a desfrutá-lo no modo como deve ser, com paciência e reflexão. Não há tiradas de duplo sentido e sacadas inteligentes, mas também não há desrespeito ou grosserias. É um filme para crianças de algumas décadas atrás, ainda não acostumadas com o dinamismo dos desenhos animados atuais ou com a constante rapidez de um mundo em constante transformação. O bom nesse universo desvendado é comer uma maçã-do-amor, brincar com os amigos na rua, desvendar banhados atrás de sapos para assustar as meninas e viver aventuras que a tela de um computador nunca poderão proporcionar.

Yann Samuell fez um filme desconectado da sua época, com tudo de bom e de ruim que isso possa acarretar. Os adultos que se interessarem por este A Guerra dos Botões encontrarão um trabalho de delicada beleza e singela alegria, repleto de momentos de grande humor e genuína felicidade. É preciso um olhar carinhoso para com o filme, e deixar-se levar pelo que se desenrola na tela é o primeiro passo. Pena que levarão ainda muitos anos – senão décadas – para o verdadeiro público – as crianças – a que a obra se dirige possa, finalmente, desfrutá-la como ela de fato merece: com paciência e saudades de um tempo bom que não volta nunca mais.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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