Crítica

Por muito tempo acreditou-se que a Globo Filmes teria descoberto a fórmula para o cinema nacional: simplesmente pegar sucessos comprovados na telinha e transpô-los para a telona. O problema é que, para cada O Auto da Compadecida (2000), há vários Casseta e Planeta: A Taça do Mundo é Nossa (2003) ou Acquaria (2003). Não bastam astros conhecidos, uma trama familiar e popularidade prévia. Para sair de casa e, acima de tudo, pagar um ingresso, o público precisa de uma motivação maior. E isto, felizmente, está presente em A Grande Família – O Filme (2007), um longa que consegue ser mais do que uma versão estendida dos episódios semanais, além de apresentar um elenco em alta sintonia, com participações especialíssimas e um acréscimo que faz, realmente, diferença.

O mote deste primeiro filme da família de classe média baixa que conquistou o país não poderia ser mais envolvente: a suposta morte de Lineu (Marco Nanini, entregando ao espectador mais uma excelente performance), o patriarca. Nas vésperas de comemorar o aniversário de casamento, ele faz um exame médico e descobre que pode estar com câncer. Com medo da verdade, decide mudar suas atitudes, arrumando o que crê estar bagunçado para o caso da sua ausência. Como tudo parece ficar ainda pior, ele recebe a chance divina de voltar atrás e começar de novo, como uma pessoa mais relaxada, que sabe aproveitar a vida e desfrutar a companhia daqueles ao redor. Mas nem tudo são flores, e excessos – para o bem ou para o mal – não levam ninguém a lugar algum. Assim, Lineu precisará tomar outra decisão, numa terceira oportunidade de colocar sua vida – e a da sua família – nos eixos de uma vez por todas.

A trupe conhecida é excepcional, cada um com momentos de brilho próprio. A alegria de Marieta Severo é o contraponto ideal para o jeito rabugento do Nanini, assim como a histriônica Guta Stresser e o preguiçoso Pedro Cardoso combinam de uma forma inacreditável (há também mudanças no caminho dos dois, importantes a ponto de repercutirem no próprio no seriado). Do núcleo central, talvez Lúcio Mauro Filho (o caçula Tuco) seja o pior aproveitado. A história dele com a cabeleireira mais velha, interpretada com voluptuosidade por uma divertida Andréa Beltrão, é a mais fraca. Por outro lado, cada um dos poucos minutos dedicados às aparições de Tonico Pereira são mais do que compensadores – ele é uma alegria só! E entre os convidados especiais, destaque para um sumido Paulo Betti, com a canastrice no ponto exigido para o falso galã, e uma Dira Paes que se entrega ao estereótipo da ‘gostosa da repartição’ sem receios, atuando de forma descontraída e iluminada.

A Grande Família – O Filme carece de uma melhor composição visual, de melhor cenários, figurinos e movimentação. A trama se passa nos mesmos lugares da série, e é inevitável que soe requentado ao fã mais assíduo. Filmado em sete semanas, durante um intervalo televisivo, foi um dos grandes sucessos de público de 2007, tendo sido visto em pouco mais de um mês em cartaz por quase dois milhões de brasileiros. Não parece incomodar, portanto, a longa duração (são quase duas horas!) e algumas repetições desnecessárias, que pouco acrescentam à conclusão. Mesmo assim, consegue a árdua tarefa de transcender ao espetáculo televisivo, entregando à audiência algo diferenciado e original.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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