Crítica

Ambiciosa talvez seja a palavra mais adequada para descrever esta estreia do cineasta Sergio Andrade em longas-metragens. Em A Floresta de Jonathas, Andrade apresenta o personagem do título (interpretado por Begê Muniz), um jovem que vive com os pais e o irmão mais velho, Juliano (Ítalo Castro), no interior do Amazonas. A família leva uma vida pacata, tirando seu sustento da colheita de frutas típicas da região, que são vendidas em uma barraca à beira da estrada, mas Jonathas parece se sentir deslocado dentro desta realidade. O senso de inadequação do protagonista é retratado por Andrade logo nas primeiras cenas, que mostram sua falta de aptidão para realizar as tarefas diárias ao lado do pai, ferindo-se nos espinhos das árvores, por exemplo.

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Mesmo vivendo em um aparente estado de comunhão com a natureza que o cerca em seu dia a dia (em casa, no trabalho e na escola), Jonathas se mostra atraído pelas possibilidades existentes no mundo além da barraca da família. Do interesse pela música à admiração pela figura do irmão, que com seu jeito desencanado e galanteador representa a ruptura com o modo de vida antiquado imposto pelo pai, fica evidente o desejo do protagonista de explorar novos territórios. A oportunidade chega com o convite de Juliano para acampar durante um final de semana e, com seu violão em mãos, Jonathas embarca na aventura ao lado também de Kedassere (Alex Lima), um indígena local, e da bela Milly (Viktoria Vinyarska), uma turista ucraniana.

Para narrar a apresentação e o início da jornada de Jonathas, Andrade transita por abordagens distintas. A princípio, o cineasta realiza um retrato naturalista do cotidiano, com longos planos estáticos registrando à distância os mais banais acontecimentos. Aos poucos sua câmera se aproxima dos personagens, conforme a narrativa envereda pela trilha do filme de formação. A floresta, antes um símbolo primitivo do sustento, transforma-se em um local para o amadurecimento – como para os quatro garotos do clássico oitentista Conta Comigo (1986), de Rob Reiner – e para descobertas, como a da liberdade e a da paixão por Milly. Além de interesse romântico, a garota também materializa o encantamento pelo desconhecido, pelo estrangeiro.

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Este contato com a jovem ucraniana abre espaço para que Andrade insira algumas observações culturais, sociais e até políticas. “Quando é eleição eu lembro que aqui também é Brasil. Mas sei lá, pra mim aqui já é outro país”, diz Jonathas a Milly. E é também a relação com a garota, por fim, que leva a uma última virada narrativa, quando Jonathas parte sozinho em busca de um “maracujá selvagem” para impressionar Milly e se perde na floresta. A partir deste acontecimento, o longa adquire um tom angustiante de luta pela sobrevivência e mais uma vez a imagem da floresta se transforma. O desconhecido perde seu fator excitante e passa representar o perigo. A vida dá lugar à possibilidade da morte.

O aspecto de experiência sensorial da obra de Andrade ganha uma enorme força, assim como sua carga de simbolismos. Perdido, Jonathas não só tenta encontrar o caminho de volta, como também encontrar seu lugar no mundo. O desespero toma conta do garoto, junto com a fome e o cansaço, fazendo com que a linha entre realidade e fantasia se torne cada vez mais tênue. O diretor aproveita esta atmosfera de pesadelo para criar belas imagens que permitem as mais diferentes interpretações, como o índio tocando guitarra, as visões envolvendo Milly ou as árvores com carcaças de brinquedos e eletrodomésticos. O universo ritualístico e folclórico brasileiro também ganha espaço, como nas simpatias e no “banho” com o abacate. Tudo sem que o longa apele para um exotismo de exportação.

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O final aberto e alegórico, com um leve tom desesperançoso, mostra que Andrade se interessa pela experiência da jornada mesmo que ela não leve a conclusões concretas. E há de se admirar esta escolha pela liberdade narrativa. Quando o personagem de Chico Díaz, em uma participação especial, diz que não se pode manter ninguém em gaiolas, se referindo a Jonathas e Juliano, de certo modo também se refere ao cinema almejado por Andrade. Pois, além de demonstrar um excelente domínio estético e cênico, o cineasta parece disposto a não se prender a fórmulas ou nichos, fazendo com que os momentos de oscilação existentes nesta estreia sejam relevados e aumentando a expectativa sobre seus trabalhos futuros.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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