Crítica

Raro representante de um cinema nacional focado no público infantil mas com elementos suficientes para ser apreciado e, principalmente, admirado pelo espectador mais adulto, A Família Dionti foi o filme escolhido para abrir a mostra competitiva nacional de longas-metragens do 48° Festival de Brasília de Cinema Brasileiro. Ainda que seja uma opção inusitada, principalmente pela crescente elitização intelectual dos mais relevantes eventos do gênero no país, que cada vez mais investem em obras autorais, experimentais e, muitas vezes, herméticas, o trabalho assinado por Alan Minas vai na contramão desta tendência, apresentando um discurso poético, livre e até mesmo ingênuo em seu lirismo, mas de tranquila circulação entre os mais diversos tipos de audiências, realizado com competência e muita entrega. Méritos ainda mais escassos na atual produção cinematográfica brasileira.

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Num pequeno sítio no interior de Minas Gerais, lá moram os Dionti. O pai passa o dia olhando para o céu, esperando pela próxima chuva. É que a mãe, envolta em tamanha felicidade ao lado do marido e dos dois filhos, um dia simplesmente evaporou de alegria. Agora, os que ficaram para trás aguardam o momento em que ela voltará com as gotas vindas das nuvens. Serino, o garoto mais velho, foi o que mais sentiu com esse abandono, a ponto de secar por dentro e, à noite, chorar grãos de areia, além de ter perdido a capacidade de sonhar. Kelton, o caçula, por outro lado, imaginava-se normal até o dia em que Sofia, vinda de um circo, se apresenta como nova aluna em sua sala de aula. A emoção deste encontro será o indício da descoberta de um novo sentimento. E, com isso, ele começa a sentir uma excitação tamanha que o levará a derreter em nome deste primeiro amor.

Alan Minas toma o cuidado, durante o desenrolar da história de A Família Dionti, de não fazê-la composta apenas de uma coleção de personagens esdrúxulos capazes de feitos inacreditáveis. Ainda que tenhamos a professora que consegue conversar com móveis de madeira (e assim ouve algumas verdades) ou o homem cujas pernas não o obedecem (desculpa perfeita para ir beber com os amigos e fugir da cobrança da esposa), o enredo está centrado nos motivos que levaram cada um deste núcleo familiar despedaçado e se refugiar por trás destas artimanhas, em um realismo fantástico que muito tem a ver com o universo de Graciliano Ramos – referência óbvia, até pela posição geográfica escolhida – mas que ganha pontos também por receber influências que vão de Monteiro Lobato à Federico Fellini. O circo, cenário do impossível, ou os laços que os unem, por exemplo, ganham representações de impacto, aumentando a força de todo o projeto.

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Com uma trilha sonora envolvente e um roteiro bem amarrado que não perde muito tempo com tramas paralelas, A Família Dionti tem como um dos seus principais destaques o bom elenco, principalmente os garotos Murilo Quirino (Kelton), Anna Luiza Paes Marques (Sofia) e Bernardo Lucindo (Serino), todos revelando um completo trabalho de imersão nos tipos que defendem, com bastante naturalidade e segurança. Acusado por alguns de ser “fofo” demais, ou seja, pueril em determinadas passagens e condescendente em sua conclusão, este é um filme que se revela acima da média justamente pela franqueza em se assumir atemporal e universal, brincando com seus elementos mais improváveis a ponto de torná-los verossímeis. Um absurdo bem vindo que ressalta a magia de uma produção singular.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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