Crítica

Feito logo após o oscarizado O Segredo dos seus Olhos (premiado como Melhor Filme Estrangeiro em 2010) e antes ainda dos elogiados Abutres (2010) e Um Conto Chinês (2011), esse A Dançarina e o Ladrão é tão irregular que só chegou até nós movido pela força do nome do seu protagonista, Ricardo Darín, que aos poucos conquistou o posto de astro cultuado entre os cinéfilos brasileiros. E olha que não faltavam créditos para que o projeto desse certo! Pra começar temos o diretor Fernando Trueba (premiado com o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 1992 por Sedução e indicado novamente neste ano, dessa vez como Melhor Animação, por Chico & Rita). Depois tem o fato de se basear num romance de Antonio Skármeta, autor do premiado O Carteiro e o Poeta (1994), que também assina o roteiro. E por fim o próprio Darín, que praticamente carrega o filme nas costas. E mesmo assim, seu sofrimento não é plenamente compensado no final.

No início dos anos 1990, com o fim da ditadura chilena, milhares de presidiários encarcerados por crimes sem morte ou violência são anistiados. A Dançarina e o Ladrão conta a história de dois destes bandidos que acabam se envolvendo com a tal bailarina do título. Um deles é o lendário Vergara Grey (Darín), um arrombador de cofres pego após um golpe que o tornou nacionalmente conhecido. O outro é o jovem Ángel Santiago (Abel Ayala, que interpretou um jovem Diego Maradona na cinebiografia inédita no Brasil La Mano di Dio, de 2007), que no dia que ganha as ruas encontra e imediatamente se apaixona por Victoria (Miranda Bodenhofer, estreando no cinema), uma garota de rua muda. Os dois se envolvem e ele se encanta com a carência, a falta de jeito e o olhar romântico dela. E por isso passa a incluí-la em seu plano, um projeto intrincado e arriscado que só dará certo caso Vergara Grey concorde em ajudá-lo.

São tantas as tramas que vão surgindo durante o desenrolar da trama de A Dançarina e o Ladrão que, obviamente, o longa acaba se estendendo além da conta ao tentar fechar todas as pontas – o que, de fato, não consegue. Algumas coisas ficam pelo caminho, e o final, principalmente, pode ser por demais insatisfatório ao olhar de alguns. O problema maior está nos próprios personagens, que não se encaixam. O garoto é simpático e divertido, mas não convence como pilantra. O velho golpista já desistiu de tudo e quer apenas reestabelecer contato com a antiga família, formada pela ex-mulher e pelo filho pequeno. E a menina, que sonha em ser uma dançarina de sucesso, só funciona mediante o apoio dos outros. Entre estes está a brasileira Marcia Haydée, que construiu uma carreira impressionante nos palcos e vista também em outro drama sobre a dança, Momento de Decisão, de 1977 e com o lendário Mikhail Baryshnikov no elenco.

Bonito de se assistir, explorando bem os cenários da capital do Chile e dos arredores, A Dançarina e o Ladrão é um filme que promete muito, mas que, no entanto, entrega pouco. O sempre talentoso Ricardo Darín não é aproveitado em todo o seu potencial, e o romance dos jovens ressente de química e de um maior envolvimento para convencer efetivamente. E o roubo, que poderia ser o fator último de interesse, acontece tão rapidamente e sem um maior suspense ou tensão que acaba por perder significado e importância. E assim temos um filme que começa muito bem, mas que até o seu término terá se encarregado de desafazer toda e qualquer boa impressão no espectador. E ao sairmos da sala mal lembraremos o que, de fato, nos levou até lá.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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