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Sinopse

Especialista em segurança, conhecido nacionalmente por seu profissionalismo, Harry Caul é contratado pelo diretor de uma corporação para registrar a conversa de um casal. Nessa missão, o passado traumático volta à tona.

Crítica

Poucos são os diretores que têm no currículo quatro obras de tamanha qualidade, filmadas em sequência e lançadas em um período relativamente curto. Francis Ford Coppola é um destes poucos profissionais que podem se orgulhar disso. O Poderoso Chefão (1972), A Conversação (1974), O Poderoso Chefão: Parte II (1974) e Apocalypse Now (1979) são verdadeiras obras primas, amostras de um cineasta que não só tinha talento de sobra, mas coragem na hora de fazer suas escolhas. Quem já viu algum making of de Apocalypse Now sabe muito bem as agruras pelas quais passou o diretor e ouvindo os comentários de Coppola em O Poderoso Chefão, é fácil perceber quantos rounds ele teve de brigar com o estúdio para ter as coisas de sua maneira. A Conversação é, certamente, o menos lembrado dos quatro trabalhos supracitados, mas de forma alguma merece papel coadjuvante na filmografia do diretor. É uma obra à frente do seu tempo, um filme que cresce a cada nova conferida e que deixa o espectador pensando no que viu (e ouviu) durante aqueles 113 minutos de duração.

Coppola é quem assina o roteiro, a produção e a direção de A Conversação, um tour de force tanto do homem por trás das câmeras quanto do ator em frente a elas, Gene Hackman. Vivendo um homem taciturno e extremamente paranoico, Hackman é quem acompanhamos durante toda a história, interpretando o perito em vigilância Harry Caul. Contratado para gravar a conversa entre um casal misterioso (Cindy Williams e Frederic Forrest), ele faz quase um milagre para salvar um cristalino diálogo dos barulhos de uma praça movimentada em pleno meio dia. Depois de escutar o que os dois falaram, e com o peso da culpa católica de ter sido parcialmente responsável pela morte de três pessoas por causa de seu trabalho, ele reluta a entregar o resultado das gravações para Martin Stett (Harrison Ford), assistente do seu contratante, conhecido apenas como o Diretor (Robert Duvall, em ponta não creditada). Essa crise de consciência o coloca em rota de colisão com seus empregadores e pode decretar o final de sua carreira - ou de sua vida.

Como todos os bons filmes de Coppola da década de 1970, são muitos os detalhes a serem apontados em A Conversação. Mas o que mais chama a atenção logo de início é o esmerado trabalho de montagem e som realizado. Somos apresentados diversas vezes à primeira sequência, a conversa do título, e cada vez que Caul trabalha em cima do áudio, a vemos e a ouvimos repetida, com um som pouco diferente do anterior. Capitaneado por Walter Murch, indicado ao Oscar naquela ocasião, o desenho de som do longa-metragem não é mero acessório. É um ponto importante para contar aquela história. Tanto que ao chegarmos ao final, um tanto da surpresa da grande virada da trama se encontra exatamente em uma parte de um diálogo. Este cuidado com o som e com a montagem são lógicos em um filme sobre gravações de áudio, mas nem por isso devem receber menos elogios quando magnificamente realizados.

Outro ponto destacável é a direção de arte e os figurinos, que dizem muito a respeito dos personagens – principalmente, o protagonista Harry Caul. Saindo sempre na rua com uma capa de chuva transparente – faça chuva ou sol – e usando roupas alinhadas, mas ultrapassadas, Harry é um sujeito bitolado. O seu espaço de trabalho reflete sua personalidade, assim como o apartamento em que vive. Trabalho muito bem executado, que deveria ter sido mais reconhecido à época pelas premiações.

Por fazer escutas de conversas, Caul tornou-se paranoico a respeito de sua privacidade, não deixando pessoa alguma se aproximar. Curiosamente, quando baixa um pouco a guarda, nota que foi alvo de uma escuta indesejada e se enfurece com o ocorrido. Refém de sua fé, é assolado pela culpa e tem crises frequentes, não conseguindo por vezes distinguir realidade de alucinação. Como estamos acompanhando a história através dos olhos dele, também não temos como separar o real da fantasia e, portanto, muitas dúvidas ficam no ar. Existia mesmo alguém o ouvindo no apartamento ao final? A cena do banheiro é real? Ainda que a paranoia pareça uma resposta mais acertada, fica difícil dar uma resposta definitiva.

Em um de seus melhores papéis, Gene Hackman consegue transmitir muito com pouco. Por ser um homem de poucas palavras, Harry Caul é um enigma ambulante. E conseguimos ler algumas de suas características graças ao trabalho corporal do ator. Outro destaque do elenco vai para um ainda desconhecido Harrison Ford, ameaçador no ponto certo como o assistente pouco confiável do Diretor. John Cazale, mesmo com um papel diminuto, fica na memória como o carente ajudante de Harry.

Por ter sido lançado pouco tempo depois do escândalo de Watergate, muitos pensavam que a história era baseada nas escutas da administração de Richard Nixon. E é curioso que A Conversação seja à frente do seu tempo, visto que o roteiro havia sido escrito antes do escândalo. Em tempos de polêmica envolvendo a NSA e suas quebras de sigilo, o longa-metragem de Francis Ford Coppola se mostra ainda mais precursor, atual como nunca. É verdade que muitos podem querer fugir do filme por conta de seu andamento lento. Mas logo que a história engrena, o espectador fica engendrado pela trama e a surpresa final é um pagamento mais do que suficiente pela paciência de uma parcela do público mais inquieta. É um thriller setentista de peso. Mais um trabalho magistral do mestre Coppola, indicado a três Oscar, dentre eles Melhor Filme e Diretor.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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