Crítica

Vladimir Brichta é muito conhecido pelos seus personagens cômicos em novelas e séries globais, assim como papéis pequenos em filmes como Quincas Berro D’Água (2010), A Mulher Invisível (2009) e Romance (2008). Contemporâneo dos multifacetados amigos Lázaro Ramos e Wagner Moura, o ator parecia preso a uma nota só: fazer rir. A Coleção Invisível é a primeira chance de Brichta mostrar talentos dramáticos e, não chega a ser surpresa, não decepciona em momento algum. O mesmo não pode ser dito do filme como um todo, infelizmente. Sem saber aproveitar o drama que o roteiro constrói logo de início, o longa-metragem de Bernard Attal, estreando na ficção, acaba sendo salvo pelas boas performances do elenco e pelo bom ritmo empregado na narrativa.

O roteiro de A Coleção Invisível é de Attal, ao lado de Sérgio Machado e Iziane Mascarenhas, baseado no conto do autor austríaco Stefan Zweig. Na trama, Beto (Brichta) sofre grande baque quando seus melhores amigos se envolvem em um acidente fatal ao dirigirem seu carro, embriagados. Perdido e sentindo-se culpado pelo fato, o rapaz abandona seu trabalho, tentando apagar a lembrança do ocorrido através da bebida. O problema é que os negócios da família não vão bem. O dinheiro escasseia. O antiquário tocado por Dona Iolanda (Conceição Senna), mãe de Beto, já viu dias melhores e não consegue mais cobrir as dívidas. Quando surge a oportunidade de ganhar uma verdadeira fortuna buscando antigas gravuras, Beto mergulha fundo na missão e viaja até Itajuíbe, no interior da Bahia, para encontrar um velho amigo do pai, dono de algumas dessas peças de arte. O que o rapaz não podia prever é a recepção hostil da família do idoso Samir (Walmor Chagas), que não permitirá qualquer tipo de aproximação entre Beto e aquele senhor.

Como é possível notar nesta sinopse, os primeiros momentos do filme, nos quais Beto sofre pela perda dos amigos, pouco importam para o resto da história. Inclusive, se não existisse o primeiro ato e A Coleção Invisível iniciasse a partir da viagem de Beto para o interior da Bahia, pouco mudaria o desenrolar da história. O único momento em que a tragédia volta para assombrar o protagonista, surgindo em um eficaz paralelo com troncos queimados, é tão rápido que acaba não justificando todos aqueles minutos iniciais. Mostra, claro, a vulnerabilidade de Beto naquele momento, abrindo caminho para um romance anunciado, mas inconsistente, entre ele e a filha de Samir, Saada (Ludmila Rosa). O primeiro beijo entre os dois surge mais como necessidade narrativa do que como algo orgânico, visto que nada havia sido construído até então que justificasse essa entrega. Esse, inclusive, é outro exemplo de situação criada e não aproveitada até o final da trama.

Apesar desses pesares, e de uma cena com exagerados berros de Ludmila Rosa empunhando uma espingarda, A Coleção Invisível guarda bons momentos para os espectadores. Um deles é a presença de Walmor Chagas, em seu último papel no cinema. O personagem é construído oralmente a cada conversa que Beto trava com os habitantes de Itajuíbe, muito antes de Chagas aparecer no filme. Por isso, causa surpresa a forma completamente inversa que o falecido ator gaúcho encarna Samir. São poucas as suas cenas, mas todas são interessantes – com destaque para o trecho em que o velho senhor exalta a beleza e o colorido de sua magnífica coleção de gravuras. É neste momento também que Vladimir Brichta fecha o ciclo de seu personagem e conquista definitivamente a plateia como um sujeito obstinado e por vezes inconveniente, mas com um grande coração.

Com rápidos 89 minutos de duração e uma história que, apesar de certos tropeços, consegue segurar a atenção do espectador, A Coleção Invisível conclui bem a trama, ainda que o desfecho possa ser um tanto óbvio. Manter o título original do conto de Stefan Zweig talvez não seja a melhor opção no caso deste filme. De qualquer forma, a força das performances de Vladimir Brichta e Walmor Chagas acabam desculpando a maior parte dos deslizes deste longa-metragem.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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