Nascido no dia 13 de junho de 1984 na cidade de Estrasburgo, quase na divisa da França com a Alemanha, Pio Marmaï está (re)descobrindo o Brasil nessa semana. Apesar de já ter passado rapidamente pelo país anteriormente, está de volta a convite do Festival Varilux de Cinema Francês, do qual está participando com a comédia romântica Beijei uma Garota (2015). O filme, que foi um sucesso de público no seu país de origem quando exibido nos cinemas, no início desse ano, conta a inusitada história de um rapaz gay (Marmaï) que se descobre apaixonado por uma garota às vésperas do seu casamento com o namorado de anos. Esta, aliás, não é a primeira vez que um trabalho do rapaz participa dessa grande mostra de filmes franceses por aqui: no ano passado estava no elenco de Um Amor em Paris (2014), ao lado da grande Isabelle Huppert. O Papo de Cinema conversou com exclusividade com o ator, com contou detalhes nesse novo projeto, além de destacar outros grandes momentos de sua filmografia. Confira!

 

Essa não é sua primeira vez no Brasil, certo? O que está achando até o momento?
De fato, já estive por aqui antes. Visitei o Brasil pela primeira vez há uns cinco anos, mas foi uma viagem com amigos, e também foi muito rápida. Não teve como realmente ‘conhecer’ o país. Agora está sendo diferente… apesar que cheguei hoje pela manhã e não tive tempo de quase nada até o momento (risos). Mas São Paulo é uma cidade incrível, alguns dos pontos turísticos eu lembro de ter visto da outra vez, mas tem muito que quero conhecer ainda. Espero conseguir!

Vamos falar sobre Beijei uma Garota. É uma comédia romântica, mas contada de uma maneira nada convencional. O que lhe atraiu no projeto?
Primeiro, foi o modo invertido de contar a história. Tinha esse cara, que era gay e que aos poucos vai se descobrindo heterossexual. Ou bissexual, dependendo do ponto de vista. Enfim, foi a jornada do protagonista que me interessou. Não foi um ou outro ponto específico, foi o conjunto. Não faria um filme apenas porque o personagem é ou não é homossexual, tem que ter algo a mais para me interessar, e foi o que encontrei. O filme é construído como uma surpresa, pois normalmente, ao menos nos filmes franceses, é o oposto que acontece. Estamos acostumados a ver o cara hétero que se descobre tendo outro tipo de sentimento, e com isso acaba mudando sua orientação sexual, ou descobrindo sua verdadeira natureza. Beijei uma Garota provoca algo raro, e também muito engraçado. Ao ler o roteiro já me diverti, e assim foi também ao atuar. Era algo que definitivamente não conhecia, estava curioso, queria descobrir um novo tipo de personagem. Trabalhar com comédia era algo ao qual não estava acostumado, essa foi uma das primeiras que fiz. Quem conhece meu trabalho sabe que me envolvi em dramas, textos mais clássicos. E essa foi a primeira comédia de verdade. Foi uma surpresa para mim, e o modo de trabalhar me deixou muito satisfeito.

 

Questões como a diversidade sexual e homossexualidade tem sido muito debatidas no Brasil atualmente. Como é a situação na França?
Acho que é muito importante falar a respeito. Na França existe a lei que permite o casamento gay, mas ainda é um estigma no ponto de vista religioso, e por isso que é importante que a lei passe e comece a vigorar. Durante a promoção do filme o que percebi é que este é um tema não muito aceito, que no fundo há um pouco de medo em relação a homossexualidade. É algo que as pessoas ainda não sabem, desconhecem. Se seu filho, ou filha, se descobre homossexual, na França isso pode ainda ser uma vergonha para a família. Não é algo muito fácil, não como deveria ser.

Cena de Beijei uma Garota

Exatamente o contrário do que acontece com a família do seu personagem no filme…
A família do filme é o oposto, e por isso é engraçado. É o contrário da maioria das famílias francesas. Na ficção que criamos, aceitam completamente a homossexualidade do filho, e não querem que se aceite heterossexual. Acho que funciona na história desse jeito, mas é algo que é raro de se ver na França. Eu não esperava esse tipo de situação, estava convencido que as famílias eram mais abertas, então foi uma situação um pouco desconcertante para mim.

 

Beijei uma Garota estreou na França no início do ano. Como foi a recepção por lá?
Foi um sucesso no sentido que não foi muito caro, então teve um público bom. E foi um filme que gerou muita discussão, as pessoas falavam bastante a respeito, e isso foi bastante positivo para nós. O tema é que chamou a atenção, até porque este foi o primeiro filme dos diretores, ninguém esperava muito, não haviam expectativas. Ficamos muito felizes com o resultado. Acho que foi a primeira comédia francesa que fala sobre a homossexualidade de um modo contemporâneo.

Este não é o seu primeiro longa como protagonista, mas acredito que tenha sido um dos mais desafiadores, não?
Sim, claro. No sentido de construção do personagem, principalmente. Achava que era importante tentar algo diferente, me arriscar mais, ousar, sair da minha zona de conforto. Isso é parte do meu personagem também, foi um bom paralelo. Precisei ser mais criativo, falar sobre sexualidade, expor sentimentos verdadeiros, e tudo de um ponto de vista psicológico, sem ser superficial. Acho importante conseguir alternar, poder trabalhar em filmes pequenos e em outros maiores, mas no resumo o que importa mesmo são os personagens, que precisam ser singulares pra mim. Sempre tento inventar algo novo, oposto do que fiz antes.

 

Você já trabalhou ao lado de grandes estrelas, como Catherine Deneuve, Audrey Tautou, Isabelle Huppert. O que você trouxe de cada uma delas para construir seu personagem em Beijei uma Garota?
Não sei se é uma questão de aprender. Não estou ali para aprender, e também não para ensinar, mas também um pouco de cada. Na maioria do tempo não é essa a minha preocupação, ainda que de um modo ou de outro a gente pegue uma coisa ou outra de todos os nossos colegas, independente com quem estou trabalhando. Acho que atuar é algo de conjunto, aprendemos juntos. É uma questão de ouvir com quem você está atuando junto, e isso nos possibilita ser melhor. É 50/50 quando trabalhamos com alguém, mesmo que seja Deneuve ou Huppert. Quanto melhores forem os atores com quem vocês está ao lado, melhores eles serão como colegas. Ao menos é assim que tem sido minha experiência. E sem isso, você não é nada. Todas essas mulheres com quem já atuei foram maravilhosas comigo, e espero ter sido assim também com elas, pois o que importa, em última instância, é saber dividir, pois somente assim conseguimos fazer nosso trabalhos. Claro que podemos olhar outros atores trabalhando como forma de estudo, mas eu, ao menos, aprendo muito mais fazendo do que apenas observando. 

Sabe, sou seu fã e vi vários dos seus filmes. Um dos meus favoritos é A Delicadeza do Amor (2011). Da sua própria filmografia, tem algum que guarde um carinho especial?
Ah, com certeza. Esse que você citou, por exemplo, é realmente muito bonito. Fiz uma participação pequena nele, mas muito prazerosa, e Audrey é uma querida amiga. Mas se fosse citar apenas um, diria Maestro (2014), filme escrito e dirigido pela Lea Fazer. Esse trabalho foi muito importante para mim porque no set pude sentir um tipo de liberdade que não conhecia até então. Era um lugar muito criativo, que me permitiu tentar algo diferente do bom rapaz, que apenas sorri e nada mais. Poderia tentar algo diferente de tudo que havia feito antes. E como o meu personagem era um ator em início de carreira, mais ou menos como eu próprio, pude me colocar por inteiro nele. Este foi um dos primeiros filmes que realmente consegui fazer algo mais ousado, com muita liberdade. É uma história engraçada e triste ao mesmo tempo, mas que se desenvolve sem pressa, nem ansiedade, mas com muita criatividade. Foi uma experiência incrível.

(Entrevista feita por telefone em São Paulo no dia 09 de junho de 2015)

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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