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Ainda que pouco conhecido internacionalmente – algo que parece prestes a mudar – Dany Boon é um dos maiores nomes do cinema francês atual. Ator, diretor e roteirista de um dos maiores sucessos de bilheteria de todos os tempos no seu país, a comédia A Riviera Não é Aqui (2008), ele soma três indicações ao César – o Oscar da França – e uma ao European Film Awards – prêmio maior do cinema europeu, além de ter sido premiado nos festivais de Hamburgo e Sevilha. O comediante agora está de volta às telas como um dos protagonistas do romance Lolo: O Filho da Minha Namorada, de e com Julie Delpy. E o ator fala justamente sobre esse trabalho nesta conversa inédita e exclusiva, cedida com exclusividade ao Papo de Cinema pela distribuidora Mares Filmes. Confira!

 

Você não atua em muitos filmes – nem mesmo um por ano.
Eu gosto assim. Trabalho em meus próprios filmes, comecei as filmagens do próximo, Raid Dingue, no início de 2016. Também estarei no filme de Yvan Attal, contracenando com Charlotte Gainsbourg, e estou produzindo o primeiro longa-metragem de Jérôme Commandeur, Ma Famille t’Adore Déjà. Mas tudo depende dos projetos que me enviam.

 

O que o atraiu em Lolo: O Filho da Minha Namorada?
Sempre é o assunto que me interessa primeiro, e a emoção que sinto ao ler o roteiro. Gostei da história de amor entre os dois personagens quarentões – é uma história altamente romântica, esvaziada de qualquer crítica e profundamente enraizada no universo de Julie Delpy, com um estilo direto, às vezes grosseiro. Gosto da ideia de estar na comédia de uma mulher. Não existem muitas sendo feitas por aí. É uma raridade.

 

Jean-René é um pouco como Cândido, de Voltaire… É o tipo de personagem que você gosta de interpretar.
No palco, ou nos filmes que dirijo ou em que atuo, preciso me dirigir ao elemento humano com gentileza – você pode ser mal intencionado, mas sem ser cínico. Jean-René é um personagem que me cai bem e que é muito parecido comigo. Ele foi profundamente magoado, mas tem um arco maravilhoso e evolui através da história.

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Mesmo ao escrever o roteiro, Julie Delpy o tinha em mente para Jean-René, embora estivesse convencida de que você recusaria o papel.
O produtor dela, Michael Gentile, achou que eu estava um tanto fora do alcance ou que provavelmente era caro demais. Isso não era verdade – concordei em receber menos por causa do orçamento apertado.

 

Você e Julie Delpy se conheciam antes deste trabalho?
Nós nos encontramos várias vezes em Los Angeles – durante a cerimônia do Oscar, em almoços e festas organizadas pelo consulado francês ou no Colcoa French Film Festival. É óbvio que eu tinha familiaridade com a filmografia rica dela. Nós conversamos, gostamos um do outro e nos divertimos juntos, mas nunca dissemos que adoraríamos trabalhar juntos. Gostei particularmente de The Countess (2009), que foi um filme incrível feito com um orçamento modesto. Quando li o roteiro de Lolo: O Filho da Minha Namorada, nossa colaboração pareceu ser a escolha mais óbvia. Desde a nossa primeira cena, que não foi fácil para um primeiro dia de filmagens, já que estávamos juntos na cama – nós nos divertimos muito trabalhando juntos e construindo nossa relação como colegas. Nossos mundos se cruzaram.

 

Conte-nos sobre o universo dela.
Julie é totalmente indomada, mas de um jeito bom, muito positivo – ela até tira graça disso! Ela está sempre indo para frente, sempre ativa, sempre pensando. Também é muito preocupada. É extremamente generosa e sensível, ao mesmo tempo em que é muito direta. Diz o que pensa e é exigente. Pode ficar de mau humor se estiver frustrada ou insatisfeita. Tem muita força de vontade e é bem feminina. Ela é uma mulher atraente.

 

Vocês têm carreiras comparáveis – os dois gostam de comédias, os dois são roteiristas, diretores e atores e os dois são artistas realizados…
E ela é musicista também, assim como eu. Nós temos várias coisas em comum. Mas sou do interior e Julie é de Paris. Os pais dela são artistas e os meus são da classe trabalhadora. Foi um casamento perfeito para os personagens Violette e Jean-René, por falar nisso. O que emociona em Lolo: O Filho da Minha Namorada é que o amor suplanta as aparências – a mulher que trabalha com moda e que é muito preocupada com fofocas, permite-se comover pelos sentimentos simples e verdadeiros que experimenta com Jean-René. E fala sobre isso com muita naturalidade. Adoro as cenas em que ela fala sobre Lolo: “mas me sinto bem com ele, posso me imaginar envelhecendo com ele”.

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Jean-René pode ser ingênuo, mas não é bobo. Você nunca questiona sua inteligência.
Sim, há algo de comovente em sua ingenuidade. Ele levou uma vida simples em Biarritz por muito tempo. De repente, desenvolve um software que se transforma numa sensação e se vê em Paris com a mulher por quem está perdidamente apaixonado. Embora só tenha lido romances policiais baratos até então, está disposto a descobrir os filmes de Chris Marker e se abre um pouco para o mundo cultural erudito dos boêmios parisienses. Ele não perde sua alma um tanto sentimental – mas compra violetas para Violette! Seu jeito provinciano o torna comovente.

 

O filme se foca em pessoas construindo relacionamentos depois dos 40… Embora Lolo realmente dificulte as coisas para eles, Violette e Jean-René continuam crescendo como casal.
Eles se dão bem, o sexo é bom e querem ser felizes. Foi uma das coisas que me atraiu no roteiro. Quando você reconstrói sua vida pessoal nessa idade, procura pelas coisas simples da vida. Eu me reconheço nisso.

 

Violette é muito direta com Jean-René. Ela às vezes usa uma linguagem grosseira.
Violette e sua melhor amiga, Ariane (Karin Viard), podem ser muito grossas, e gosto disso. Elas são extremamente engraçadas. Os homens costumam pensar que as mulheres são moralistas – pelo contrário, elas podem ir muito longe quando a conversa é sexo. Também reconheço a questão dos garotos mimados que Julie aborda com o personagem Lolo. O filme fala antes de mais nada sobre Violette e os problemas que ela enfrenta com o filho.

 

Você se preocupa com garotos mimados?
Sim. Agora estamos experimentando o legado de Françoise Dolto – é uma época de permissividade. A criança se tornou um adulto, mas cresceu sem limites. Punir crianças significava traumatizá-las para a vida toda. Você encontra muitos desses garotos mimados que nunca dizem “Olá”, “Por favor”, “Obrigado” – e acho isso revoltante. Esses garotos mimados, quando se tornam adolescentes ou jovens adultos, se sentem confusos. Fui criado por pais bastante autoritários e crio os meus filhos da mesma forma. Uma criança pode florescer e ser criativa e ainda dizer “Obrigado” e “Por favor”. Ela precisa de limites em algum ponto. Violette nunca deu limites a Lolo. Essa mulher, que tem tanta perspectiva e lucidez quando se trata do seu trabalho ou do seu relacionamento, fica totalmente cega com o amor narcisista que sente pelo filho. Não enxerga nada – foge do assunto. Quanto a Lolo, ele é totalmente autocentrado. É até um pouco psicopata. É um garoto mimado em sua pior forma. Só pensa em si mesmo e não consegue sentir nada por ninguém.

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Em certos momentos do filme, temos a sensação de estar assistindo a um suspense.
É verdade. É uma prova da escrita convincente, afiada e altamente feminina de Julie – seus personagens são definitivamente substanciais. Qualquer detalhe que ela dê, por mais insignificante que pareça, serve a um propósito. Você acredita nas loucuras e na agonia infinita de Lolo – além do fato de Vincent Lacoste interpretá-lo lindamente.

 

No entanto, Jean-René faz de tudo para ser amado por ele.
Embora ele seja um tanto peculiar – ele está constantemente numa luta de poder – e faça de tudo para ter a mãe só para si, Lolo é uma graça com suas cuecas coloridas!

 

Você é reconhecido por ser particularmente meticuloso quanto à escrita. Quis contribuir com algo no roteiro?
Não. O personagem Jean-René já estava delineado. Tudo o que tive que fazer foi retratá-lo e habitá-lo. Fisicamente, ele evolui muito. As mudanças em seu figurino me lembraram um pouco dos meus próprios recomeços – as roupas que eu usava nos meus primeiros espetáculos eram um horror. Eu tinha um gosto horrível na época.

 

Em Lolo: O Filho da Minha Namorada, você traz tanto comoção quanto humor. Como você alcança esse equilíbrio particularmente difícil?
É razoavelmente fácil interpretar cenas emotivas quando os papéis estão bem escritos e você está feliz no set. Por outro lado, você está sempre numa corda-bamba quando se trata de comédia. O diálogo tem que ser engraçado imediatamente. Mas Julie tem um senso natural do que é um diálogo inteligente e com bom ritmo.

 

Como você trabalha seus personagens?
Decoro minhas falas até cansar. E mesmo depois de decorar, fico me familiarizando com o diálogo, repetindo minhas falas diversas vezes. Porque assim que você acrescenta a linguagem corporal, a emoção e o ritmo, tenho noção de que se perde um pouco da memória automática que você ganhou. Em Lolo: O Filho da Minha Namorada, tive cenas desafiadoras, inclusive a do jantar com Violette e Lolo, em que meu personagem fica falando sobre o sistema que desenvolveu. Computadores são como chinês para mim. Sem um bom conhecimento das minhas falas, teria sido impossível para mim torná-las minhas e me divertir com elas. Isso também é algo que exijo de meus atores nos meus filmes.

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É a primeira vez em que você é dirigido por alguém que, assim como você, é roteirista, diretor e estrela de um filme.
Adorei me entregar à visão dela. Julie sabe exatamente o que quer, presta muita atenção ao que está acontecendo no set e é meticulosa, mas muito aberta às sugestões dos atores. Você sente bastante liberdade no set dela. Nós tivemos alguns momentos de improviso que a Julie aprovou. Nós gostamos tanto de interpretar aqueles personagens loucamente apaixonados um pelo outro que o improviso veio naturalmente – estou pensando na cena em que penduramos as pinturas de Lolo na parede e sussurramos palavras de carinho um para o outro como dois adolescentes bobos!

 

Você pode opinar na edição?
De jeito nenhum. Quando as filmagens acabaram, Julie sentiu vontade de me mostrar uma primeira versão e fiquei surpreso positivamente ao ver que ela tinha mantido algumas de minhas sugestões. Achei isso legal. Não houve disputa de egos.

 

Aconteceu de você discordar com ela em uma ou outra cena?
Raramente, mas aconteceu. Às vezes é importante ir contra os pedidos de um diretor. É recompensador e positivo. Faz parte do processo artístico. Você tem que ir além do “Uau, você foi ótimo”. Você sempre tem que ter muito cuidado com as pessoas que só lhe dizem elogios.

 

(Entrevista inédita no Brasil, cedida com exclusividade ao Papo de Cinema pela Mares Filmes)

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