8 mai

Anderson Müller encontra O Vendedor de Passados

Carioca de Nilópolis, Anderson Müller nasceu no dia 09 de novembro de 1969. Filho de Anísio Abraão David, patrono da Escola de Samba Beija-Flor, esteve sempre ligado às artes. Sua carreira começou em 1987, com apenas 18 anos, quando foi convidado para interpretar o personagem Quibe Frito, na novela Brega & Chique, da Rede Globo. No mesmo ano estreou no cinema, no filme A Cor do seu Destino, que ganhou o prêmio máximo do Festival de Brasília. Ao seu lado estavam nomes de destaque, como Norma Bengell, Júlia Lemmertz e Chico Diaz. Desde então já atuou em dezenas de projetos diferentes no cinema, no teatro e na televisão. Para 2015, ele tem três projetos diferentes para a tela grande: O Duelo, que já entrou em cartaz, O Vendedor de Passados, exibido na mostra competitiva do XIX Cine PE e que estreia ainda em maio, e Encantados, previsto para chegar em breve. Foi sobre estes trabalhos que o ator conversou com exclusividade com o Papo de Cinema. Confira!

 

Olá, Anderson. O seu personagem em O Vendedor de Passados é um cliente, ou seja, alguém que quer comprar um passado novo. Como interpretar uma pessoa com esse tipo de necessidade?
Pois é, fica muito solto, pois é algo completamente hipotético. Mas ao mesmo tempo a gente fez um trabalho muito bacana com a direção, com o Lázaro – que é o vendedor de passados do título – de realmente descobrir essa história pregressa deles. Era preciso primeiro interpretar o presente para depois mudar o passado. Colocar a câmera na frente dos personagens e a partir daí buscar esse entendimento. Foi um trabalho em conjunto, muito bacana desde o primeiro momento. E como é cinema, tivemos mais tempo para trabalhar tudo, e o resultado ficou além das minhas expectativas. Quer dizer, isso que é o que eu acho, pois ainda não vi o filme, mas já ouvi algumas opiniões e é meio comum o prazer com que as pessoas estão se identificando com essa trama. Fazer essa história e mudar um passado que não existe, que não foi ao ar, para que está lá, afinal. Este foi o grande segredo que precisei lidar.

Você imagina ser possível esse tipo de serviço na nossa realidade?
Acho que tudo é possível nos dias de hoje! Basta querer vender e saber vender. Se houver demanda, sempre haverá alguém disposto a prover. Acho que podem fazer, sim. Mas teria procura? Tem que pensar dentro da cultura nova das religiões, desse messianismo, pois o dom da palavra é essencial. As pessoas estão sempre procurando uma solução para os seus problemas, e às vezes neste desespero acabam recorrendo a métodos um tanto duvidosos. É possível, desde que tenha esse dom de vender…

 

Há uma questão muito interessante no seu personagem que é o trauma da mãe, que se reflete na escolha da esposa fictícia. Isso parece ser um debate bem psicológico. Você chegou a fazer algum tipo de pesquisa neste sentido?
O personagem tem uma virada na vida, e isso era algo com o que eu conseguia me relacionar. Eu mesmo fui um ex-gordo – não cheguei a fazer uma cirurgia bariátrica, como o personagem, mas entendo o processo. Quem passa por uma mudança tão drástica assim tem que ter acompanhamento psicológico, ir se adaptando aos poucos. No caso dele, além disso havia ainda os traumas dos pais, principalmente relacionado à mãe. É uma ficção, sim, mas não foge muito da nossa realidade. Tem que ter maturidade para superar uma condição como aquela. Esse personagem não consegue fazer as mudanças necessárias sozinho, por isso precisa desta ajuda. No meu caso, fui pelo roteiro e pela pesquisa que fiz com amigos, além da minha própria experiência pessoal. É um conjunto das coisas! Queira, é claro, descobrir que loucura era essa, como lidar com tudo isso dentro da cabeça, e pra isso é preciso ouvir histórias, conhecer pessoas novas, daí um amigo que passou por algo semelhante te diz uma coisa, outro lembra de um conhecido… e assim vai. É em cima de fatos reais, mas muito da nossa própria imaginação.

No filme, o seu personagem tenta construir um futuro melhor que o presente, baseado em um passado falso. Como lidar com esse tipo de questão moral na ficção?
Eu acho que o grande barato do filme é realmente fazer pensar. O bom entretenimento é aquele faz pensar ao mesmo tempo em que diverte. O meu trabalho, ali – e nesse ponto o roteiro se desenvolve de uma forma muito bacana – era criar uma verdade para aquela situação. Você brincar com o humor, mas sem o escracho da comédia, de uma forma mais lírica. A história desse personagem e a do próprio filme é uma grande distração. Algo do tipo “e se…?”.

 

Você fez filmes como Olga, que é um drama baseado em fatos reais, e Avassaladoras, que é uma comédia romântica ao estilo das que estão fazendo muito sucesso hoje em dia. Como O Vendedor de Passados se encaixa nesse cenário?
Acho que O Vendedor de Passados, dentro de tudo que fiz antes, é um reflexo da minha atual condição como ator. Mas não apenas ele – todos os trabalhos que tenho feito recentemente indicam essa minha mudança. Poder participar de O Duelo, uma adaptação de um texto de Jorge Amado, e também do Encantados, da Tizuka Yamazaki, foram experiências mágicas. São três personalidades diferentes, cada uma numa época e com um estilo muito característico. São personagens que mudaram a minha maturidade como ator. Eles possuem uma participação maior na trama e carregam uma história com desfecho. Eu estava com um discernimento maior para entendê-los e com um trabalho de ator gostoso, com peso dentro do drama.

Você tem já um novo filme pronto, o Encantados. O que pode adiantar sobre ele?
Passou na Mostra de São Paulo e no Festival do Rio do ano passado, então deve chegar ao circuito em breve. A primeira vez que o vi foi numa sessão fechada para quase 700 crianças, um trabalho promovido pela Prefeitura de São Paulo, e foi muito interessante. Esse filme parte de um episódio real, mas ao mesmo tempo tem uma coisa de imaginação, e essa combinação possibilitou que a criançada fizesse uma festa. Aliado a isso, há os efeitos que a Tizuka colocou no filme, muito interessantes e raros de serem vistos no cinema brasileiro. Ela juntou estes dois mundos – o moderno com o antigo – de uma forma muito bacana. A história dessa personagem, a Zeneida Lima, é linda. Ela foi uma pajé que, quando criança, é capturada pelos seres daquela região, na Amazônia, que puxaram ela para dentro do rio e depois a levaram de volta. Assim ela descobre a missão de vida dela. Imagina uma criança que seria pajé, com um passado dentro do mundo das caruanas, da encantaria, com seres da natureza? É muito incrível! Ela volta para esse mundo para aprender a lidar com esse dom. Eu sou o capataz de um fazendeiro poderoso da época, a trama toda se passa em Marajó, e esse homem esconde a família por causa dessa criança. Isso aconteceu lá pelos anos 40, 50. Era algo totalmente surtado dentro daquela sociedade. É um cara que vem do sul e está ligado à família, mas que acaba tomando as decisões erradas, e sofre com isso. É um filme muito lindo, uma grande surpresa!

(Entrevista feita por telefone direto do Rio de Janeiro em 06 de maio de 2015)

Robledo Milani

é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

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