Uma garota que entrou cedo no San Francisco Art Institute, logo demonstrando talento e sensibilidade como pintora, inclusive vencendo prêmios importantes na área, decide estudar cinema na Universidade de Columbia. Seu curta-metragem de formatura, The Set-Up (1978), tem como tema a sedução da violência cinematográfica. As escolhas no fim da graduação podem não ser decisivas para as nossas carreiras, mas no caso de Kathryn Bigelow, elas foram quase premonitórias. Isso porque a diretora, antes de se tornar a primeira mulher a ganhar o Oscar de Melhor Direção, já mantinha os espectadores vidrados na tela por meio da violência. Da mais sutil à mais explícita.

Seu primeiro longa, The Loveless (1981), tem Willem Dafoe na pele do líder de uma gangue que causa confusão numa cidadezinha do sul dos Estados Unidos. Bigelow, que também assina o roteiro, faz uma homenagem ao exploitaiton, principalmente aos exemplares protagonizados por motoqueiros maldosos. Mesmo bebendo na fonte do cinema feito para gerar bilheteria, em sua maioria masculina, diga-se de passagem, a cineasta já demonstra sua assinatura, além de habilidade para criar boas cenas de ação, algo que ganha mais força no seu segundo trabalho, o ótimo terror de aventura Quando Chega a Escuridão (1987). O grupo de vampiros que vira de cabeça para baixo a vida de um garoto do interior é uma das melhores criações de Bigelow com seu parceiro, o roteirista Eric Red. Mesmo seguindo a linha apocalíptica em voga na época – muito devido ao sucesso do australiano Mad Max (1979) –, o filme tem ritmo de western e romance na medida certa, levando em consideração que há uma mulher atrás das câmeras, situação que leva muitos críticos homens a acharem que o romance será o centro da produção.

Mas Bigelow não é a mulher padrão da cabeça de produtores, críticos e até diretores. Prova disso é que ela deu ao público uma das poucas boas referências femininas dentro do gênero ação, a policial Megan Turner (Jamie Lee Curtis) de Jogo Perverso (1990). De “rainha do grito” de Halloween: A Noite do Terror (1978), Curtis passou a ser a face da mulher corajosa. Entretanto, nunca mais interpretou uma personagem tão bem construída como Turner. Isso porque, Bigelow, como boa artista plástica, transformou o sex appeal das personagens femininas dos filmes de ação em elementos cênicos de bom gosto, que não estão ali apenas para garantir peitos e lábios na tela. Bigelow não faz somente ação de qualidade, mas deixa claro que aventuras são para todos. E todas. Está menos interessada em explosões que no clima sombrio.

O auge de sua carreira até o momento se deu com Guerra ao Terror (2009), que lhe garantiu o homenzinho dourado da Academia de Hollywood, filme sem uma gota de sexo ou nudez feminina em suas mais de duas horas de duração. E parece que agradou mais mulheres que homens, pois toca em um ponto complexo para o universo masculino: a fraqueza diante do cotidiano. O sargento William James (Jeremy Renner) é um viciado na adrenalina que o desarme de bombas proporciona, mas que não consegue lidar com a vida em família. O front é a válvula de escape para quem acha perigosos filhos e problemas conjugais. É o recado de Bigelow. Só por isso já mereceria um troféu, mas o Oscar também lhe garante não ter de sofrer da Síndrome de Beauvoir ou ser lembrada apenas como ex-mulher de James Cameron. Afinal, há mais romance em Avatar (2009) que em toda a carreira de Bigelow. E isso diz muito sobre o que é (realmente) ser mulher.

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é jornalista e especialista em cinema formada pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). Com diversas publicações, participou da obra Uma história a cada filme (UFSM, vol. 4). Na academia, seu foco é o cinema oriental, com ênfase na obra do cineasta Akira Kurosawa, e o cinema independente americano, analisando as questões fílmicas e antropológicas que envolveram a parceria entre o diretor John Cassavetes e sua esposa, a atriz Gena Rowlands.
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