O slasher é um subgênero do horror, normalmente utilizado para identificar filmes nos quais um maníaco homicida semi-indestrutível assassina brutalmente – com facas, machados, motosserras e afins – quase todos os personagens, um a um. Embora certos teóricos apontem Psicose (1960) como um dos primeiros slashers, o ápice do filão se deu nos anos 70 e 80, com O Massacre da Serra Elétrica (1974), Halloween (1978), A Hora do Pesadelo (1984), entre outros.

Mesmo que nesses filmes a eliminação das pessoas pareça quase aleatória, como se servisse apenas a um apelo fetichista de mortes sangrentas na tela do cinema, uma análise mais cuidadosa revela uma dinâmica de gênero bastante particular. Um estudo publicado em 2003 concluiu que em grande parte dos exemplares slasher produzidos nos anos 80 e 90 as mortes de personagens femininas demoram, em média, duas vezes mais que as dos masculinos. Além de dolorosos e demorados, os fins delas também costumam ser cruéis e grotescos; em A Morte do Demônio (1981), por exemplo, as pessoas se vão de várias maneiras, mas a cena mais bizarra é reservada a uma mulher, que acaba estuprada por uma árvore.

Ainda que essas circunstâncias indiquem uma tendência misógina, talvez o maior problema esteja mesmo nas sobreviventes. A “garota final”, essa figura presente em quase todos os slashers, é a aquela responsável por derrotar o antagonista ou simplesmente conseguir fugir. O triunfo desse tipo de personagem parece representar uma vitória do feminino sobre uma figura violenta e quase sempre masculina – e, às vezes, representa mesmo –, mas a mensagem de que determinado arquétipo “merece” sobreviver pode ser bem problemática. É frequente que as “garotas finais” contrastem com mulheres mais femininas e, quase sempre, sexualizadas. Aliás, sexo e violência caminham juntos nos slashers; quem ousa demonstrar volúpia, na esmagadora maioria das vezes, acaba punido com um destino horrível. Para elas, o castigo tende a ser ainda mais severo. É curioso, então, que as sobreviventes sejam frequentemente masculinizadas (há até uma grande ocorrência de final girls com nomes comuns a homens) e, principalmente, virgens.

Se o primeiro passo para resolver um problema é reconhecê-lo, o cinema parece estar, no mínimo, no caminho certo. A repetição exaustiva de alguns recursos de gênero pede uma desconstrução – e é exatamente isso que determinados filmes têm feito. Produções como O Segredo da Cabana (2012) e Terror nos Bastidores (2015) dedicam-se quase inteiramente a desmantelar e satirizar as cansadas dinâmicas do subgênero. Já Corrente do Mal (2014) dá um passo além, criando um antagonista sobrenatural que literalmente pune quem faz sexo, semelhante a uma DST.

Nada disso, é claro, significa que o espectador precise, necessariamente, se distanciar dos slashers clássicos; são frutos de outros tempos. É importante, entretanto, exercitar um olhar mais crítico diante das produções que chegam agora aos cinemas; as audiências de hoje não toleram mais esse discurso que sustenta a castidade como via quase única à sobrevivência.

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cursa Jornalismo na Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo e é editora do blog Cine Brasil.
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