Em tempos de massificação, salas em shoppings, programação uniforme e outras tantas constantes entre exibidores, é um alento perceber trabalhos assertivos como o realizado pelos curadores da Sala de Cinema Ulysses Geremia, localizada no Centro de Cultura Dr. Henrique Ordovás Filho, em Caxias do Sul (RS). A cidade da Serra Gaúcha, apelidada carinhosamente de “pérola das colônias”, tem fama de progressista, mas, mesmo assim, ainda engatinha quando o assunto é cinema, seja na produção ou na valorização do mesmo enquanto arte.

Juntando os dois maiores complexos comerciais da cidade, são 12 salas de exibição cinematográfica com o que há de mais moderno. Boas instalações, sabores variados de pipoca, estacionamento com segurança, 3D e tudo que as atuais tendências do “ir ao cinema” englobam. Então por que esse espaço acanhado, de boas (mas não excelentes) condições técnicas, é o mais importante dos locais propostos a exibir cinema em Caxias do Sul? São diversos os fatores, mas o principal deles é mesmo a qualidade da programação, não subserviente aos desígnios de um mercado voltado à lotação desenfreada.

Com capacidade para 100 pessoas, a Sala de Cinema Ulysses Geremia abriga sessões em DVD às tardes, com o “Matine às 3”, projeto que visa fidelizar determinada parcela do público, não raro instigada a frequentar as sessões de inéditos, que ocorrem das quintas aos domingos, sempre com filmes de circuito (35mm) e média de 200 espectadores por semana. Um filme pouco conhecido, como A Fonte das Mulheres (2011), tem cerca de 150 espectadores por semana, e títulos de maior apelo, como A Árvore da Vida (2011) ou A Separação (2011), chegam a ter 250 espectadores semanais.

Dentre os responsáveis pelo vigor da Sala de Cinema Ulysses Geremia, destacam-se seus dois curadores, o filósofo, escritor e também coordenador da Galeria de Arte Gerd Bornheim, Gilmar Marcílio, e o publicitário Conrado Heoli. Quando abraçaram a dura tarefa de resgatar um espaço até então incipiente, escravo de DVDs já lançados, eles sabiam das dificuldades. Impulsionados pela paixão que nutrem, arregaçaram as mangas e hoje estão satisfeitos, mantendo-se sempre atentos à necessidade de reforçar e expandir essa linha que vem dando certo. A Sala teve considerável aumento de espectadores desde que alterada a proposta de seleção dos filmes e reforçada a divulgação. Os freqüentadores, antes minguados, agora abundam em sessões das mais variadas e nos debates que ocorrem logo após algumas delas.

Para cada mês, ou seja, dois filmes, Conrado e Gilmar assistem por volta de 10 títulos em busca daqueles que melhor se encaixam nessa nova proposta curatorial. Conrado Heoli resume bem a alegria com o atual momento: “A resposta do público não poderia ser melhor, temos cada vez mais espectadores e o retorno que recebemos direta e indiretamente é muito positivo”. Cumprindo imprescindível papel à formação de público, sendo alternativa aos cinéfilos e apreciadores, principalmente os da Serra Gaúcha, a Sala de Cinema Ulysses Geremia é um bom exemplo de que basta boa vontade, perspicácia, e uma pitadinha de amor no momento de pensar sessões para que, mesmo longe dos blockbusters, se consiga algo como o alcançado por esses bravos defensores do bom cinema em Caxias do Sul.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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