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Afinal, você sabe o que é transexual? É simples: não apenas um homem que se veste de mulher ou vice-versa. É alguém que não se identifica com o gênero que foi determinado ao nascer. E viver uma vida num corpo que não é o seu pode ser muito mais doloroso do que parece. Que o digam os próprios transexuais com a violência, verbal e física, que sofrem diariamente. Só no Brasil, em seis anos morreram 600 travestis e trans, sendo o país que mais mata o gênero no mundo. Por isso o importante papel do cinema em não apenas mostrar fisicamente quem estas pessoas são, mas como elas são de verdade. Nesta semana chegou aos cinemas Mãe Só Há Uma, novo filme de Anna Muylaert que traz em seu protagonista alguém com dúvidas sobre o gênero. Além de tudo, terminou no último fim de semana o Rio Festival de Gênero e Sexualidade no Cinema 2016, que trouxe títulos importantes para discussão. Por isso, nosso top da semana não poderia ser outro. Então, confira quais são os melhores filmes estrelados por transexuais. Vá que o seu favorito esteja por aqui.

 

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M. Butterfly (1993)
René Gallimard (Jeremy Irons), diplomata francês, tem legítimo momento de estesia ao contemplar uma apresentação de Madame Butterfly em evento para estrangeiros na China dos anos 1960. Na ocasião, a cantora Song Liling (John Lone) entoa com emoção e dor, ambas na mesma medida, a triste história da gueixa que morre em virtude de seu amor por um oficial norte-americano da Marinha. A fascinação surgida entre oriente e ocidente, base da tragédia operística em três atos, serve também de combustível à paixão avassaladora dos amantes em meio à turbulenta situação político-social. Na verdade, Song se enreda pelo francês para dele tirar informações confidenciais valiosas ao partido comunista. Seu recato esconde grande segredo, aliás, não tão oculto desde que estejamos atentos à evidente androginia do intérprete. Neste filme de David Cronenberg, que de certa maneira dialoga tematicamente com seu contemporâneo Traídos pelo Desejo (1992), de Neil Jordan, o homem interpreta um papel feminino para cumprir determinada missão ideológica. O preconceito e a hipocrisia aparecem lado a lado, sendo deflagrados em momentos cruciais à representatividade da trama. Mais próximo do fim, a exposição dos segredos (de gênero e de espionagem) permite uma inteligente e complexa inversão, movimento que confere amplitude a essa versão do drama de Butterfly, proporcionando a morte simbólica do ocidente travestido de oriente. – por Marcelo Müller

 

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Priscilla, a Rainha do Deserto (The Adventures of Priscilla, Queen of the Desert, 1994)
Emblemática produção australiana dos anos 90, Priscilla, a Rainha do Deserto destacou uma necessária representatividade queer. Segundo filme do diretor Stephan Elliot, este road movie traz a história de um grupo de amigas composto por duas drag queens e uma transexual, que embarcam no ônibus carinhosamente apelidado de Priscilla em uma viagem pelo deserto australiano. O destino é um resort, onde farão um show no melhor estilo cabaret. Entre tantas performances excepcionais como as de Hugo Weaving e Guy Pearce, é destacável, principalmente, a do inglês Terence Stamp. Indicado ao BAFTA e ao Globo de Ouro de Melhor Ator, ele interpreta a transsexual Bernadette, sinônimo de maturidade e classe no grupo. Em entrevistas, o ator reflete muito bem a conceitualização de como era se caracterizar como a personagem. Diferente dos demais protagonistas, ele lidava com uma personagem trans, logo, que se sentia inadequada em seu corpo. Na performance, era necessário manter o visual e aura feminina o tempo todo, não era apenas uma manifestação ou atitude que era ligada através de um figurino exuberante. O sucesso da produção e a visibilidade que deu para a comunidade gay foi tamanha que logo em seguida do seu lançamento e sucesso nos cinemas, surgiram outras destacando esta importante parte da comunidade LGBTQ. Títulos como Para Wong Foo: Obrigado por tudo, Julie Neymar! (1995), The Birdcage: A Gaiola das Loucas (1996) e Ninguém é Perfeito (1999) foram alguns dos filmes acessíveis ao grande público a darem representatividade a este público. De quebra, Priscilla e suas passageiras ganharam ainda o título de filme cult. – por Renato Cabral

 

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Tudo Sobre Minha Mãe (Todo Sobre Mi Madre, 1999)
A transexualidade atravessa o cinema de Pedro Almodóvar, até chegar em sua representação mais radical na obra-prima A Pele que Habito (2011). Em Tudo Sobre Minha Mãe, um dos mais celebrados filmes do diretor espanhol, há duas personagens transexuais: a primeira, Agrado (Antonia San Juan), funciona como espécie de alívio cômico numa narrativa carregada nas tintas do melodrama; a segunda, Lola (Toni Cantó), seria talvez a vilã da história. Mas Almodóvar passa muito longe da pura negativação ou da caricatura das transexuais em questão. Aqui elas são personagens complexas, nuançadas: as escolhas de Lola carregam uma dose de egoísmo e afetam as vidas de outras pessoas de forma devastadora, mas ela é, antes de tudo, também uma vítima de si própria, uma figura um tanto trágica; já Agrado, cujo carisma explode na tela, vai aos poucos se revelando uma pessoa com desejos, angústias e frustrações. O tratamento aqui é, portanto, semelhante ao dado a qualquer personagem do cinema de Almodóvar, independente de identidade de gênero: são todxs seres humanos, ricos de sentimentos, paradoxais, fascinantes.- por Wallace Andrioli

 

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Meninos Não Choram (Boys Don’t Cry, 1999)
Baseado em fatos reais, o longa-metragem de Kimberly Peirce conta a história de Brandon Teena (Hilary Swank), um homem transexual que nasceu como Teena Renae Brandon. Depois de ter problemas em sua cidade natal, ele se muda para Nebraska onde se apaixona pela bela Lana (Chloë Sevigny), amiga em comum dos rapazes que Brandon conheceu na cidade, John Lotter (Peter Sarsgaard) e Tom Nissen (Brendan Sexton III). Mal ele sabia que esses homens representariam o seu final prematuro. Meninos não Choram tem narrativa poderosa, com um protagonista que passa por uma jornada de autoaceitação, mas esbarra na ignorância das pessoas à sua volta. Peirce se interessou pela história após ter lido sobre o caso de Brandon nos jornais e buscou realizar um longa-metragem que não ficasse apenas no fato policial, mas que retratasse bem o relacionamento entre Brandon e Lana, um dos pontos altos do filme. Hilary Swank foi revelada com sua pungente interpretação, tendo sido indicada aos principais prêmios daquela temporada (BAFTA, Screen Actors Guild) e venceu seu primeiro Oscar de Melhor Atriz, assim como o Globo de Ouro. Chloë Sevigny também foi lembrada pela Academia, pelo Globo de Ouro e por outras premiações, mas acabou não vencendo as principais premiações. – por Rodrigo de Oliveira

 

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Hedwig: Rock, Amor e Traição (Hedwig and the Angry Inch, 2001)
Hansel nasceu na Alemanha no dia em que o Muro de Berlim dividiu o país. No lado ocidental, sua infância foi permeada por abusos dos homens que frequentavam sua casa e pelo convívio com uma mãe omissa, que comparava Jesus à Hitler. Suas verdadeiras influências surgiram do rádio, quando cantores como Iggy Pop, David Bowie e Lou Reed criaram um imaginário de glamour e rock em sua limitada existência. A situação se altera com a chegada de um oficial do exército norte-americano, que o promete uma vida melhor em um longínquo lugar chamado Kansas. A única condição que o separa do american dream é uma cirurgia para mudança de sexo – que obviamente dá errado. Assim nasce Hedwig, cantora que sintetiza o que é glam rock com seu figurino e maquiagem extravagantes e músicas viscerais. John Cameron Mitchell, que escreveu e protagonizou o musical off-broadway Hedwig and the Angry Inch em 1998, fez sua estreia no cinema com a adaptação do material para a tela grande. Hedwig: Rock, Amor e Traição (2001) mantém o status de filme cult, envolto numa mítica que o coloca no panteão de musicais transgressores entre Rocky Horror Picture Show (1975) e Priscilla, a Rainha do Deserto (1994). – por Conrado Heoli

 

Transamerica - 2005

Transamérica (Transamerica, 2005)
Este longa talvez seja um dos mais completos ao tratar sobre o nosso tema da vez, já que reúne não apenas uma transexual como protagonista, mas conversa com todo o tipo de público ao contar a história de alguém que precisa reencontrar o filho, perdido na vida, e talvez abdicar de fazer a cirurgia de mudança de sexo para poder sustentar o garoto. É um encontro de mãe e filho que não se conhecem, não tem a menor intimidade, sequer sabiam da existência um do outro. E é justamente este novo relacionamento que vai provocar a discussão sobre pater/maternidade e, é claro, preconceito. Felicity Huffman, então uma das atrizes mais prestigiadas da televisão norte americana por conta da série Desesperate Housewives, dá vida à Bree, esta mulher orgulhosa que precisa lutar contra os próprios medos para conhecer melhor aquele filho. Houve até uma discussão na época se não seria possível alguma atriz trans ter ficado em seu lugar. Discussões à parte sobre a falta de oportunidades do gênero no cinema, a intérprete não apenas dá conta do papel como encarna alguém totalmente humano em suas ações e que, no físico, não deixa nada a dever para tantas outras mulheres transgênero por aí. Um retrato sensível, doloroso e honesto sobre as dificuldades em ser uma pessoa no corpo de outra. – por Matheus Bonez

 

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Elvis & Madona (2008)
A curiosa comédia conta a história de um casal formado por uma lésbica e uma travesti, interpretados por Simone Spoladore e Igor Cotrim. Os nomes do título chamam a atenção por remeterem ao rei do rock e à rainha do pop. Porém, muito mais que as referências ao showbizz, o elenco principal é o grande destaque do filme. As atuações são seguras e naturais e a produção diverte pela forma original como a trama é conduzida, evitando preconceitos e excessos. O mais interessante da proposta é que os dois são expostos na tela com seus  problemas comuns, como em qualquer outro relacionamento, nunca dando o peso da sexualidade como destaque, ainda que toque em vários pontos dos problemas enfrentados pela população LGBT. O receio e o risco de se entregar, se apaixonar, sobreviver numa cidade grande com seus perigos e ameaças. E mesmo com toda a construção social trocada de gênero, o longa é uma história de amor entre duas pessoas, como qualquer outra. Uma boa surpresa do cinema nacional ainda não reconhecida como mereceria. Quem sabe novos tempos ofereçam os louros devidos. – por Alexandre Derlam

 

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Quanto Dura o Amor? (2009)
Muito se fala da necessidade de inclusão e representatividade de todos os segmentos da sociedade na tela grande. Mas o que de fato tem sido feito para sanar essa ausência histórica? Muito pouco, é a conclusão que chegamos após uma análise do que cinema tem produzido nos últimos anos. Mas há algumas raras – e muito bem-vindas – exceções, e esse longa dirigido por Roberto Moreira e escrito por Anna Muylaert é um bom exemplo. Afinal, o tema do transexualismo é parte central da trama, e não apenas mencionado ou de forma subjetiva, mas inclusive na presença de uma das protagonistas. Ao apostar no talento da atriz Maria Clara Spinelli – ela própria transexual – Moreira provocou essa discussão em ambos os lados da tela. Se na ficção sua personagem entra em conflito com o namorado quando ele descobre sua verdadeira natureza, nos bastidores houve a reflexão a respeito do espaço que tem sido oferecido aos intérpretes nestas condições, infelizmente ainda segmentados por uma questão de gênero. Tanto que Spinelli, apesar de premiada no Festival de Paulínia por este desempenho, segue, quase uma década após este lançamento, tendo este como o seu único crédito no cinema. Afinal, onde está o preconceito: na fantasia ou na dura realidade do dia a dia? – por Robledo Milani

 

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Tomboy (2011)
Em seu segundo longa-metragem, a diretora francesa Céline Sciamma aborda a questão da identidade de gênero sob uma perspectiva pouco comum, a infantil. Na trama acompanhamos Laure (Zoé Héran), uma garota de 10 anos que não segue os padrões das outras meninas de sua idade: gosta de vestir roupas masculinas, usar cabelos curtos e jogar futebol com os meninos. Ao se mudar com a família para um novo apartamento, Laure conhece Lisa (Jeanne Disson), uma vizinha que acaba tomando-a por um garoto devido à sua aparência. E ao ser indagada sobre seu nome, ela assume a suposição, dizendo se chamar Mickäel. Durante os dois primeiros atos, Sciamma explora com extrema delicadeza o esforço de Laure/Mickäel em manter sua nova identidade perante os amigos – como quando todas as crianças vão nadar em um lago – para na parte final apresentar alguns dilemas mais profundos, envolvendo a percepção da família e da sociedade sobre a situação. Contando com a desenvoltura impressionante de Zoé Héran e de todo o elenco infantil, com destaque para Malonn Lévana como a divertida irmã mais nova de Laure/Mickäel, o longa atinge um equilíbrio notável entre a leveza e a contundência ao tratar de um tema delicado. – por Leonardo Ribeiro

 

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Tangerine (2015)
Quando a prostituta transexual Sin-Dee (Kitana Kiki Rodriguez) sai da prisão depois de 28 dias de cárcere, a melhor amiga Alexandra (Mya Taylor) deixa escapar que Chester (James Ransone), seu namorado e cafetão, tem uma amante cisgênera. Furiosa, Sin-Dee percorre as ruas de Los Angeles em busca do casal. Assim começa um dos filmes independentes mais premiados e aclamados pela crítica em 2015. Além das inovações técnicas – o projeto também ganhou notoriedade por ter sido filmado inteiramente com iPhones – a comédia do diretor Sean Baker oferece um retrato honesto e, ao mesmo tempo, respeitoso da realidade difícil de suas personagens. O enredo é alavancado pela fúria da protagonista ao descobrir uma traição, mas toca em vários outros temas maiores, como a prostituição, a transfobia, o uso de drogas e, principalmente, a amizade feminina. Dando uma aula de representatividade a produções de grandes estúdios, que insistem na escalação de homens cisgêneros para papéis de mulheres trans, o filme conta com performances competentes de Taylor e Rodriguez, assim como a química entre as duas atrizes. Divertido e sensível em partes iguais, Tangerine é uma comédia singular e uma das melhores a tratar de questões LGBT. – por Marina Paulista

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