Regimes totalitários e ditaduras existem desde que o mundo é mundo e as primeiras sociedades organizadas começaram a tomar forma. No cinema e na literatura, também são temas frequentes, muitos prevendo acontecimentos e cogitando hipóteses do que certos comportamentos e revoluções (diga-se, principalmente, tecnológicas) podem causar na história da humanidade. Com a estreia de Jogos Vorazes: A Esperança – Parte 1, terceiro capítulo da série baseada no best-seller de Suzanne Collins voltada ao público jovem e que mostra um futuro apocalíptico, a equipe do Papo de Cinema resolveu listar quais os dez filmes que retratam melhor os regimes totalitários (reais ou quase isso) na história da sétima arte. Confira!

 

Metrópolis (Metropolis, 1927)

O clássico dirigido por Fritz Lang abre este Top 10 por inúmeros motivos que vão além da sua data de realização: é um dos marcos do expressionismo alemão, pai da ficção científica no cinema e, especialmente, a maior inspiração sobre regimes totalitários dentro da sétima arte. Baseado no romance escrito por Thea Von Harbou, esposa de Lang, a história se passa no século XXI (sim, o agora) e mostra um mundo dividido em duas classes com a exacerbação da Revolução Industrial: os cidadãos e os operários. Não é preciso dizer que os primeiros vivem bem por conta do trabalho quase escravo dos outros. A revolução toma forma através de Maria, que se torna a voz de protesto dos operários. O problema é que o líder Jon Fredersen toma conhecimento dos planos de sua rival e, com a ajuda de Rotwang, o clássico cientista maluco, cria um robô que toma a forma e o lugar da protagonista, incitando os revolucionários com ódio e fazendo a luta se perder até um trágico clímax. Lang não poupa o espectador do pessimismo de uma sociedade totalitária. Algo que o alemão parecia prever, já que a uma década depois estouraria a Segunda Guerra Mundial liderada pelo nazismo, talvez o exemplo mais conhecido de real regime do gênero na história contemporânea. – por Matheus Bonez

 

O Grande Ditador (The Great Dictator, 1940)

Quem, a não ser Charles Chaplin, um dos maiores (senão o maior) artista de cinema de todos os tempos, para fazer um filme satirizando Adolf Hitler em plena efervescência do regime nazista? Em O Grande Ditador não vemos mais o personagem de chapéu coco e bengala que imortalizou Chaplin, mas dois tipos que se confundem lá pelas tantas, em virtude da semelhança física: o barbeiro judeu e o ditador Adenoid Hynkel (caricatura certeira e mordaz daquele que encabeçava na realidade o chamado Terceiro Reich). Numa jogada de ironia ímpar, o barbeiro e o déspota trocam de lugar. O primeiro passa a ficar inesperadamente à frente de seus inimigos, enquanto o segundo é preso por seus próprios soldados. O Grande Ditador ainda faz menção a Benito Mussolini, na figura do também ditador Benzino Napaloni, outra paródia escrachada. O discurso de cunho humanista que encerra o filme, no qual o barbeiro, tomado por Hynkel, convoca todos a respeitarem os direitos humanos, a valorizarem o próximo, é uma das cenas mais emblemáticas do cinema, uma verdadeira instância de resistência contra qualquer regime totalitário. – por Marcelo Müller

1984 (1984)

Muitos podem conhecer o Big Brother apenas como o nome de um dos reality shows de maior sucesso no mundo. Porém, o nome não vem do acaso. Na obra literária de George Orwell, o mundo está dividido em três grandes Estados (Eurásia, Lestásia e Oceania) governados por regimes ditadoriais. Na Oceania, onde se passa a maior parte da história, os moradores são vigiados 24 horas por dia por uma teletela (ou televisão mesmo) com a figura do tal Grande Irmão. Neste contexto, Windsor Smith (John Hurt), o protagonista, é um funcionário do Ministério da Verdade, o controlador das notícias e acontecimentos, que modifica o passado para legitimar o totalitarismo do presente. Aos poucos, a falta de amor pela vida que vive e até de tesão (afinal, o ato sexual também é controlado e quase inexistente), algo que aflige a todos, começa a dar lugar à simpatia por uma possível rebelião e paixão por uma mulher. Na era globalizada em que vivemos, será que o Grande Irmão não é apenas uma pessoa, mas a própria sociedade que acompanha (e, de certa forma, controla) a vida dos outros através, especialmente, da internet e das redes sociais? Grande Orwell antecipando este futuro. – por Matheus Bonez

Laranja Mecânica (A Clockwork Orange, 1971)

Alex DeLarge e seus droogs vagueiam cheios de moloko com drencrom pela cidade, tomados pela velha ultraviolência, batendo em bêbados, acossando umas devotchkas por aí com o velho entra-e-sai entra-e-sai forçado, pilhando casas e matando por diversão horrorshow. Laranja Mecânica, a visão de Stanley Kubrick para o romance de Anthony Burgess, é uma obra-prima quase incontestável. Vê-la recentemente no cinema, em tela grande, foi uma experiência e tanto. Lá pelas tantas, o protagonista vira cobaia de uma experiência que busca extirpar os impulsos agressivos de sua natureza, o famigerado tratamento Ludovico, espécie de bandeira do então governo para tentar coibir a violência que toma conta das ruas de Londres. Mais tarde, pressionado pela opinião púbica, esse mesmo governo se reaproximará de Alex para vampirizar o potencial midiático de sua história. DeLarge, até hoje um dos maiores personagens do cinema, é um agente do próprio caos, cujo comportamento irascível é apenas o sintoma mais evidente de um distúrbio (social) maior. – por Marcelo Müller

Os Meninos do Brasil (The Boys from Brazil, 1978)

Baseado no livro de Ira Levin, Os Meninos do Brasil traz os grandes Laurence Olivier e Gregory Peck em lados opostos numa história que nos coloca em frente a uma hipótese absurda, mas desesperadora. Aqui, Olivier interpreta o caçador de nazistas Ezra Lieberman, que é avisado pelo jovem Barry Kohler (Steve Guttenberg) de que um grupo de ex-membros da SS, liderado pelo Dr. Joseph Mengele (Peck), tem um plano ameaçador que envolve matar 94 homens em vários países diferentes. À medida que investiga o que está acontecendo, Lieberman vê que se os nazistas forem bem sucedidos, podem colocar o mundo numa situação assustadora e retrógrada em diversos sentidos. Mesmo com o filme tendo quase 40 anos, é melhor manter o plano dos vilões em segredo. Basta dizer que ele é incrivelmente ambicioso e que o roteiro o desenvolve inteligentemente ao longo da trama, ajudando Os Meninos do Brasil a ser instigante do início ao fim. Isso se deve ainda a segura direção de Franklin J. Schaffner, que constrói uma narrativa complexa e admirável, além do grande elenco, no qual Olivier e Peck se destacam com seu brilho habitual, encarnando personagens interessantíssimos. É um thriller digno de aplausos e que deixa o espectador de queixo caído em vários momentos. – por Thomás Boeira

A Queda (Der Untergang, 2004)

A partir do momento em que o distribuidor brasileiro decidiu incluir o subtítulo As Últimas Horas de Hitler, ficou claro ao espectador nacional sobre o que tratava este que é um dos mais impressionante relatos sobre a Segunda Guerra Mundial. O maior mérito, no entanto, além da interpretação assombrosa de Bruno Ganz como Adolf Hitler, foi o fato desta ser uma produção alemã: ou seja, o país e seus realizadores estavam falando de um problema mundial, mas que começou em sua própria casa. O longa dirigido por Oliver Hirschbiegel – que em suas produções posteriores em Hollywood só gerou constrangimento e decepção – é incisivo ao mostrar o colapso de um dos mais cruéis e controladores regimes totalitários que a humanidade já conheceu. Ao concentrar sua narrativa nas horas anteriores ao suicídio do homem que deu origem a um cenário de caos e horror que até hoje perdura no âmago de milhares de pessoas, a obra consegue com diálogos fortes e muito dinamismo se destacar dentre tantas outras sobre o mesmo tema, diferenciando-se justamente pela objetividade e esmero técnico. Não por acaso, foi indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. – por Robledo Milani

V de Vingança (V for Vendetta, 2005)

A catarse em um regime totalitário é a revolta. O levante a favor da liberdade de escolha é um sentimento com que nos identificamos facilmente, pois é forjado nas nossas personalidades desde a infância. Lá quando nossos tutores já usavam palavras de ordem para gerar obediência, e a escola a que tínhamos de frequentar era um sistema hierárquico onde tudo o que recebíamos vinha de cima; na infância, nossas ideais de transformações do ambiente social que habitamos não tem expressão, ou tem pouca. Isso gera naturalmente a necessidade de ser ouvido e levado em consideração, e conforme nos tornamos adultos e passamos a pertencer ao grupo que antes nos comandava, não aceitamos mais retornar ao estado de oprimido. Por isso a revolta é natural e é a única catarse que V de Vingança busca instigar em seus telespectadores. “Lembrai, lembrai, o cinco de novembro”. Alguns podem não saber o que a data significa realmente e usar a máscara de Guy Fawkes em protestos inadvertidamente, mas é inegável a força que o filme estrelado por Hugo Weaving e Natalie Portman, baseado na excelente graphic novel de Alan Moore, traga a esse espírito de rebelião. Nunca foi tão divertido odiar o John Hurt. – por Yuri Correa

 

A Onda (Die Welle, 2008)

O cinema alemão contemporâneo parece carregar certa preocupação em reconhecer o que o país causou ao mundo histórica e politicamente. Produções como Adeus, Lênin! (2003), Edukators (2004) e A Vida dos Outros (2006) são alguns exemplos, assim como A Onda, que, além de agregar mérito à cinematografia alemã recente, serve como base para análises sociológicas muito pertinentes a questões nem sempre levantadas. Baseado em fatos, o filme apresenta o professor Rainer Wenger e sua difícil missão de ensinar uma turma de alunos sobre autocracia e fascismo. Uma vez que o grupo demonstra desinteresse sobre quaisquer assuntos, ele decide apresentar na prática os movimentos que hoje fazem parte do passado do governo alemão – o que foge de seu controle e ganha trágicas proporções. Com direção competente de Dennis Gansel, realizador que reconhece a força do roteiro que tem em mãos e o beneficia sem se sobrepor ao mesmo, o filme também conta com um elenco excepcional. A partir de uma perspectiva pessimista, A Onda funciona tanto como obra cinematográfica inteligente quanto como crítica social ao revisitar situações e levantar questionamentos que parecem distantes da realidade social contemporânea – ainda que estejam plenamente inseridos nela. – por Conrado Heoli

Jogos Vorazes (Hunger Games, 2012)

Em um futuro não identificado, a América do Norte atende pelo nome de Panem, localidade que conta com 12 distritos e a Capital. Depois de uma guerra em que a Capital sagrou-se vitoriosa, os outros 12 distritos tiveram de baixar a guarda e se submeterem à sua vontade. Para lembrar esta derrota, todo o ano, são convocados dois jovens de cada distrito, chamados de tributos, uma moça e um rapaz entre 12 e 18 anos, para participarem dos Jogos Vorazes, um reality show brutal no qual 24 participantes iniciam, mas apenas um sai vivo da arena. No Distrito 12, Katniss Everdeen (Jennifer Lawrence) se oferece como tributo após sua irmã mais nova ser sorteada. Agora, ela precisará sobreviver a provações terríveis. Jogos Vorazes pode ser considerado, guardadas as devidas proporções, como uma mistura entre 1984, clássico livro de George Orwell, com uma versão mais brutal do reality show Survivor. Os personagens do filme vivem em um futuro no qual o Estado tem todo o poder sobre o cidadão. Vigiados e obrigados a seguir as vontades do governo, os habitantes de Panem não têm ingerência sobre seu destino. Tanto que a inclusão de jovens adolescentes na arena dos Jogos Vorazes não é algo feito de forma voluntária para a maioria dos distritos. Jogos Vorazestece comentários pertinentes sobre a força destrutiva dos reality shows em um futuro totalitarista, que deixaria George Orwell orgulhoso. Tudo isso de forma aventuresca, rápida e pop, vindo totalmente ao encontro de seu público alvo. – por Rodrigo de Oliveira

 

Elysium (2013)

Em um futuro distópico, Elysium é o lugar onde todos querem estar. Sem doenças, sem pobreza, sem preocupações. É o paraíso na Terra. Ou melhor, fora dela. Em uma estação espacial, para ser mais exato. Só os mais ricos tem acesso a este local. Nesta história entra Max (Matt Damon), um trabalhador braçal que sempre sonhou em conhecer Elysium. Quando um acidente em seu emprego o deixa próximo da morte, só as máquinas milagrosas da idílica estação espacial poderão salvá-lo. Com a ajuda de Spider (Wagner Moura), contra a opressora política Delacourt (Jodie Foster), Max tentará salvar sua vida, enquanto pode, sem querer, ajudar outros que procuram a mesma saída. Neill Blomkamp, diretor do ótimo Distrito 9 (2009), se debruça em um futuro pouco convidativo, mas incrivelmente plausível, para nos mostrar que o abismo que separa ricos e pobres em nossa sociedade poderia ser ainda maior. Cineasta sul-africano consciente, Blomkamp utiliza-se da ficção científica para fazer esta crítica, não esquecendo da ação (com destaque para o vilanesco Kruger, interpretado por um irreconhecível Sharlto Copley) e dos ótimos efeitos visuais. – por Rodrigo de Oliveira

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