A Netflix deixou há muito tempo de ser apenas um serviço de oferta de conteúdo via streaming. Em virtude de seu sucesso global, transformou-se também numa das mais agressivas produtoras do mercado – basta lembrar que o próximo, e bastante aguardado, filme de Martin Scorsese, The Irishman, será bancado pela empresa. E um dos grandes carros-chefes da empresa é o desenvolvimento de séries originais, que está ficando cada vez mais plural. Diferentemente das redes de televisão, que geralmente apostam em formatos mais ou menos consagrados, a Netflix se orienta por oferecer conteúdo a uma gama maior de públicos. A atuação da empresa, inclusive, está mudando as engrenagens da indústria, ditando tendências. São inúmeras as séries originais Netflix que constam entre as mais elogiadas dos últimos tempos. Tivermos até 3%, exemplar brasileira realizada integralmente pela gigante do streaming, cuja segunda temporada já está garantida, a despeito da recepção morna. Resolvemos fazer um apanhado das, até agora, melhores séries originais Netflix. Confira.

 

 

Black Mirror (2011-)
Talvez uma das iniciativas mais interessantes da Netflix, como produtora, seja financiar e ressuscitar seriados e filmes abandonados, ou que encontravam dificuldades de angariar recursos para se manter de pé. Foi assim que esta série, antes voltada a um nicho cult, se tornou um dos grandes hits de 2016, quando a empresa produziu e lançou a terceira temporada. Trazendo o dobro dos episódios das duas primeiras, a nova leva de contos de ficção-científica, totalmente bancada pela Netflix, voltou a trazer de forma inebriante aquilo em que o seriado se especializou: projetar as tecnologias presentes no nosso cotidiano num futuro não muito distante, no qual suas funções são elevadas a níveis preocupantes. O projeto, claro, leva à risca os propósitos clássicos do gênero em que está inserido, e usa de um cenário com conceitos exacerbados para estudar os humanos nele. Portanto, aqui encontramos riqueza filosófica em realidades virtuais, sistemas de avaliação online e ainda vigilância e perseguição virtual, em contextos que, através do suspense, do drama e, porque não, do romance, conseguem discutir o impacto social de nosso próprio progresso. – por Yuri Correa

House of Cards (2013-)
É de se ressaltar o tino comercial que tem a Netflix, pois a empresa demonstra recorrentemente entender que atrai cada vez mais um público diversificado. Responsável por jovens clássicos como Seven: Os Sete Crimes Capitais (1995), Clube da Luta (1999) e A Rede Social (2010), o cineasta David Fincher domina completamente a linguagem cinemática – e inclusive gosta de estabelecer isso em seus filmes, com o propósito de mergulhar o espectador em algo que ele sabe ser puramente narrativo. Aqui não é diferente. Além da fotografia e da direção estilizadas (que os condutores dos demais episódios se esforçam para emular), nos primeiros minutos Fincher já nos apresenta a Frank Underwood (o fabuloso Kevin Spacey), congressista dos Estados Unidos, sacrificando um cão ferido no meio da rua. Não porque ele é mau, mas por ser essa a ação mais pragmática. E isso, desde já, resume os temas desse seriado político, que entremeiam a ascensão megalomaníaca do protagonista, ele que começa a dividir o posto de protagonista com Claire (a excepcional Robin Wright), conforme a personagem cresce em importância e complexidade nos bastidores do poder. – por Yuri Correa

Orange is the New Black (2013-)
Há muitos anos, Oz (1997 – 2003) mostrou um assunto até então pouco debatido na televisão: o sistema carcerário dos Estados Unidos. A polêmica e o sucesso vieram na mesma medida, pelas altas doses de realismo e violência. Outras séries surgiram na onda, mas nenhuma com tamanha profundidade, até esta estrear via streaming. Agora, sob o ponto de vista feminino. A partir da prisão de Piper (Taylor Schilling), garota de classe média envolvida com tráfico de drogas, pode-se ter uma visão pouco romântica, ainda que muitas vezes engraçada, sobre os presídios onde elas tomam conta de tudo. Negras, latinas, religiosas, enfim, todos os grupos estão lá. E o espaço para romances e sexo está no mesmo nível de questões mais pesadas, tais como vício em entorpecentes, violência física e psicológica e estupro. Personagens de forte presença ocupam espaço na tela e o roteiro é extremamente feliz ao entender que a protagonista é apenas o ponto de partida para histórias tão diversas ou até mais interessantes. Independentemente da primeira e da segunda temporada terem sido seu auge, com uma leve queda na terceira e uma retomada na quarta, o principal é, aqui, a voz ser inteiramente delas. Quem disse que representatividade não importa? Ainda mais quando se fala em segundas chances na vida. – por Matheus Bonez

Demolidor (Daredevil, 2015-)
Depois de ter dominado o cinema com seu universo, faltava para a Marvel um sucesso na televisão. A série Agentes da S.H.I.E.L.D., por mais divertida que pudesse ser, não tinha o respaldo do público ou da crítica que seus equivalentes da tela grande conquistaram. Foi necessária uma parceria das mais vantajosas com a Netflix para esse cenário mudar. Assim, surgiu a ideia de quatro séries baseadas em personagens da Casa das Ideias, com um crossover entre elas já planejado. E o herói que deu o pontapé inicial foi Demolidor, o homem sem medo. Estrelada pelo britânico Charlie Cox, uma escolha nada óbvia, a série surpreendeu pelo clima soturno e violento, totalmente avesso ao universo cinematográfico da Marvel e muito próxima da atmosfera mais crua dos quadrinhos. Com 13 episódios muito bem desenhados, tendo o vilão Rei do Crime interpretado com intensidade por Vincent D’Onofrio, não demorou para que o personagem tivesse uma segunda temporada encomendada – com a adição de outros heróis interessantes daquele mundo, tais como Elektra (Elodie Yung) e Frank Castle, o Justiceiro (John Bernthal). Com ótimas coreografias de luta e tramas empolgantes, esta é uma série para fã de quadrinhos nenhum botar defeito. – por Rodrigo de Oliveira

Master of None (2015-)
Aziz Ansari é um ator norte-americano, de origem indiana, que fez carreira como stand up comedian, ficando mais famoso para o público em geral por seu papel na série Parks and Recreation (2009-2015). Na Netflix, teve a chance de fazer um programa do seu jeito, quase uma autobiografia, mostrando as agruras de um ator de 30 e poucos anos tentando ganhar a vida no showbiz enquanto busca um par. Em 10 episódios divertidíssimos, Ansari faz com que o espectador que vive (ou já viveu) essa época se identifique plenamente com seu cotidiano. No primeiro episódio, Dev (o protagonista) começa a pirar pela possibilidade de ser pai, depois de um acidente com a camisinha; em outro, a divisão do apartamento com a namorada não parece das mais perfeitas. São assuntos pequenos, íntimos, levados com muito bom humor. É o retrato da geração que nasceu nos anos 80, mas que viveu mais intensamente os anos 90. A Netflix não revela números, mas é muito provável que esta série tenha conseguido uma boa audiência, tanto que foi renovada para a segunda temporada. Será ótimo reencontrar Dev e seus problemas tão identificáveis. – por Rodrigo de Oliveira

Sense 8 (2015-)
Sem estar submetida às mesmas imposições dos ditames televisivos, que determinam que neste ou naquele horário certas coisas não serão mostradas, a Netflix tem liberdade para apostar na multiplicidade de seu conteúdo. Aliás, com o tempo, isso se tornou uma bandeira da empresa. O espaço que deu às temáticas dos movimentos sociais virou crachá do serviço. E nenhum outro de seus produtos resume melhor tal ideia do que este seriado, que justamente discursa (o tempo inteiro) sobre aceitação e celebração da diversidade. Idealizada e também dirigida pelas irmãs Lana e Lilly Wachowski, duas transgênero, a série acompanha um grupo de pessoas ao redor do mundo que dividem uma consciência, sendo obrigadas a se ajudar, provando que a união e a empatia com o próximo refletem diretamente no mundo como um todo. Porém, mesmo a mais bonita das mensagens pode se perder numa forma mal azeitada. Felizmente, temos aqui uma logística que impressiona pela quantidade de locações, utilizadas muitas vezes numa mesma montagem, com isso provando a inteligência das realizadoras e a execução perfeccionista de sua linguagem. A série ainda conta com um elenco afiado, com especial destaque para a atriz (também transgênero) Jamie Clayton, verdadeiro achado. – por Yuri Correa

Narcos (2015-)
A série que narra a vida do traficante colombiano Pablo Escobar movimentou espectadores antes mesmo de sua estreia. O público brasileiro, em especial, aguardava a participação do ator Wagner Moura como protagonista e também a batuta do diretor José Padilha em alguns episódios. Com ajuda da direção de arte, o ambiente que tornou Escobar um dos homens mais ricos do mundo foi recriado em detalhes, incluindo um figurino bem ao gosto dos anos 70 e 80, período em que se passa a temporada inaugural. Ao longo dos primeiros dez episódios, a trama vai ganhando ritmo até atingir o auge, com a fortuna de Escobar conseguida a base de várias toneladas de cocaína enviadas para os Estados Unidos. A atuação de Wagner Moura dividiu opiniões. A principal queixa foi o sotaque do ator que os mais detalhistas diziam descaracterizar o personagem. Porém, não se pode negar que o Escobar construído por Moura marcou a série, rendendo-lhe uma indicação ao Globo de Ouro de Melhor Ator em Série Dramática. Mesmo romantizada, a história de Pablo Escobar abordou com precisão os investimentos ilícitos que fizeram um colombiano pobre se tornar um dos nomes mais conhecidos de seu país. – por Bianca Zasso

The Crown (2016-)
Até o momento, esta é a série mais cara da Netflix. Especula-se que os custos iniciais da suntuosa produção de época tenham chegado à casa do US$ 100 milhões. Não é de se estranhar, afinal de contas até mesmo o Palácio de Buckingham foi reproduzido fidedignamente. No que tange à trama, a primeira temporada mostra os momentos que antecedem e os que sucedem a ascensão da Rainha Elizabeth II ao trono da Inglaterra. Temos uma minuciosa investigação dos meandros palacianos, com as intrigas que são peculiares à monarquia e, principalmente, as dificuldades enfrentadas pela jovem instada a assumir a coroa assim que seu pai falece inesperadamente. Claire Foy interpreta a protagonista com vigor e minúcia impressionante, deixando expostas as vulnerabilidades emocionais da personalidade histórica. O roteiro é do aclamado Peter Morgan, o mesmo que cuidou do texto de A Rainha (2006), também sobre Elizabeth II. O cineasta Stephen Daldry dirige boa parte dos episódios. Fechando esse grande time, John Lithgow dá vida brilhantemente ao ex-Primeiro ministro Winston Churchill. Tamanha qualidade foi coroada com o Globo de Ouro de Melhor Série Dramática e o de Melhor Atriz em Série Dramática (Foy), além de outros prêmios de sindicatos que celebraram devidamente esta empreitada ambiciosa da Netflix. – por Marcelo Müller

Stranger Things (2016-)
Esta nostálgica celebração do cinema dos anos 80 funciona em vários níveis: além de ser capaz de encantar e matar a saudade daqueles que cresceram assistindo às obras que homenageia, segura também o interesse do público infanto-juvenil de hoje. Os irmãos Matt e Ross Duffer fazem um trabalho primoroso ao emular o visual e todo o clima de clássicos do cinema juvenil como E.T.: O Extraterrestre (1982), Contatos Imediatos de Terceiro Grau (1977) e Os Goonies (1985), buscando elementos na obra de Stephen King, como Carrie, a Estranha e It – A Coisa, e no cinema de John Carpenter, forte influência no design e na trilha sonora. Esta espécie de monstro de Frankenstein de referências e alusões, é claro, só ganha vida graças a uma precisa combinação entre comédia, horror e ficção científica, além de um elenco impecável. Mesmo com o excelente retorno às telas de Winona Ryder, queridinha da década de 80, o elenco mirim sempre rouba a cena: a química entre os pequenos Mike (Finn Wolfhard), Dustin (Gaten Matarazzo) e Lucas (Caleb McLaughlin) é perfeita, e a grande revelação da obra é, sem dúvida, a jovem e extremamente talentosa Millie Bobbie Brown, que encarna a misteriosa personagem Eleven. – por Marina Paulista

13 Reasons Why (2017-)
Talvez a série mais polêmica dos últimos tempos, por conta do suicídio como tema. A vida de Hannah Baker (Katherine Langford) antes dela tirar a própria vida é, acima de tudo, um alerta sobre a depressão e o bullying na adolescência como um grande mal, fácil de ser combatido, mas relegado a segundo plano pela maioria. Muitos podem reclamar dos primeiros episódios mornos (e realmente o são), de uma visão extremamente imatura de diversos pontos (não esqueçamos, tudo é visto pela perspectiva de jovens que nem completaram a maioridade) e de uma questionável romantização do suicídio (o que seria fechado com um golpe máximo numa das cenas finais). Porém, a série vai muito além de qualquer visão fútil ao retratar os motivos que levaram a protagonista a se matar, contando sua trajetória de mágoas e decepções em 13 fitas cassetes. A abordagem feminista dos problemas que as garotas e mulheres enfrentam é seu ponto mais forte e causa grande impacto. Não é uma obra para qualquer um, tanto que há uma intensa discussão sobre os males que mostrar suicídio ipsis litteris pode causar. E só por causar uma discussão, que todos parecem varrer para baixo do tapete, esta série já vale a espiada. – por Matheus Bonez

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