Uma declaração recente do ator Peter Fonda chacoalhou o mundo do cinema. Segundo o astro de Sem Destino (1969), seu amigo Jack Nicholson, com quem contracenou no clássico road movie contracultural, provavelmente se aposentou, depois de quase 60 anos de telonas. Nicholson, indicado ao Oscar em 12 ocasiões – levou para casa a estatueta de Melhor Ator por Um Estranho no Ninho (1975) e Melhor é Impossível (1997) e a de Melhor Ator Coadjuvante por Laços de Ternura (1983) – começou no cinema nos anos 50. Um camaleão, sempre em busca do tom emocional e do timming ideais para dar vida a homens de personalidade marcante, quando não vivendo numa linha bastante tênue entre a sanidade e a loucura. Por exemplo, alguém há de esquecer os ataques de fúria emblemáticos de Jack Torrance em O Iluminado (1980), cujo ponto alto é a fala “Here’s Johnny”, improvisada por Nicholson como alusão insólita ao famoso bordão do apresentador Johnny Carson?

Jack Nicholson interpretou o Coringa, dando-lhe aura debochada e letal. Passeou pelo velho oeste, incursionou por comédias românticas, visitou o submundo dos gângsteres, entre muitos outros cenários. Foi um dos principais rostos da reinvenção sessentista do cinema norte-americano, a chamada Nova Hollywood. Quanto ao Oscar, vale destacar que Nicholson recebeu indicação em todas as décadas desde os anos 1960 até os 2000. Fora esse reconhecimento mais que merecido da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, ele se destacou em diversas cerimônias da premiação, sobretudo quando alvo de brincadeiras/homenagens dos apresentadores, sempre sorridente, sentado num lugar privilegiado da estrelada plateia. Em virtude dessa relação antiga Nicholson/Oscar, resolvermos eleger suas dez melhores atuações nominadas à láurea maior de Hollywood. Confira e não deixe de comentar.

 

Sem Destino (Easy Rider, 1969)
É quase impossível desassociar a face de Jack Nicholson do filme dirigido e roteirizado por Dennis Hopper, também presente no elenco. Isso porque, apesar de ter no seu currículo uma série de protagonistas marcantes, sua rápida participação no longa, no papel do advogado nada honesto George Hanson, passou a fazer parte das lembranças cinéfilas de muita gente que acompanhou as produções da chamada Nova Hollywood, da qual o filme se tornou um dos símbolos. Óbvio que a imagem de Peter Fonda e Hopper cruzando as estradas norte-americanas a bordo de motocicletas é icônica, mas o grande momento do filme, no quesito interpretação, é o discurso de Hanson sobre liberdade, trazendo para a tela toda a melancolia que pairava nos Estados Unidos naquele fim dos anos 60. A ascensão e a queda do movimento hippie e seus ideais de uma vida com amor, contra a guerra, surgem a partir da presença de Nicholson, que rompe o clima de sexo, drogas e rock’n’roll presente até então na trama. George Hanson funciona como uma quebra de eixo no roteiro, que ganha uma atmosfera mais sombria. Mesmo sem levar o homenzinho dourado para casa por este trabalho, Nicholson conseguiu o que Oscar nenhum garante: a admiração dos amantes do cinema. – por Bianca Zasso

Cada Um Vive Como Quer (Five Easy Pieces, 1970)
A desilusão que a rebeldia traz. Essa poderia ser uma boa definição para o filme dirigido por Bob Rafelson, no qual Nicholson interpreta Bobby Dupea, homem que rompe com sua tradicional família e abandona a promissora carreira de pianista para trabalhar na região petrolífera da Califórnia. O arroubo de resistência logo é colocado à prova quando a namorada de Bobby, interpretada por Karen Black, descobre estar grávida. A trajetória de volta para casa é vivida intensamente e com um gosto amargo, já que Bobby sabe que vai encontrar na chegada um pai à beira da morte e todos os costumes que o fizeram se afastar da antiga rotina. Dois momentos, em especial, marcam a presença de Nicholson no filme: a conversa sarcástica dele com uma garçonete exigindo um café da manhã “do seu jeito” e não como está no cardápio e o desabafo de Bobby para seu pai, explicando o porquê de sua partida e o peso que as expectativas tiveram sobre sua vida. Lançado em 1970, o longa-metragem ainda é um belo retrato da busca por liberdade e pelo direito de escrever seu próprio caminho, por mais incerto e com curvas perigosas que ele seja. – por Bianca Zasso

A Última Missão (The Last Detail, 1973)
Neste longa-metragem dirigido por Hal Ashby, Jack Nicholson interpreta um dos marinheiros responsáveis pela escolta de um colega mais jovem à prisão. Na efervescência da contracultura, cujo reflexo cinematográfico nos Estados Unidos foi a chamada Nova Hollywood, Nicholson era um dos principais rostos do novo star system que povoava o imaginário do espectador norte-americano. Se na Era de Ouro sobressaiam os galãs com pinta de bons moços e as mulheres belas, nos anos 60 e 70 se destacaram atores e atrizes capazes de personificar os anseios das ruas, de ajudar a traduzir em termos cinematográficos as inquietações que derivavam das mudanças sociais em curso. Neste longa-metragem, Ashby volta suas lentes satíricas à sempre polêmica questão do Vietnã, colocando seus personagens na estrada, ou seja, num deslocamento cujo propósito é encarcerar um garoto acusado de roubar 40 dólares da caixa de donativos do quartel. Em 1973, Nicholson já era um nome facilmente reconhecível, tendo sido anteriormente indicado, inclusive, ao Oscar, feito repetido pelo papel de Buddusky. Seus concorrentes à estatueta de Melhor Ator em 1974 eram nada menos que Marlon Brando, Al Pacino, Robert Redford e Jack Lemmon, este o vencedor. Nomes aos quais Nicholson se equipara em grandeza e importância. – por Marcelo Müller

Chinatown (1974)
A década de 1970 talvez tenha sido a mais prolífica da carreira de Jack Nicholson, sendo marcada por uma série de papéis emblemáticos que lhe renderiam indicações ao Oscar. Sua quarta nomeação veio através deste neo-noir de Roman Polanski, no qual o ator interpreta o detetive particular J.J. Gittes que, ao ser contratado por uma misteriosa mulher para investigar a suposta traição do marido, engenheiro-chefe do Departamento de Águas e Energia de L.A, se vê preso numa intrincada conspiração política. Tendo em mãos o excepcional roteiro de Robert Towne, repleto de reviravoltas surpreendentes, Polanski subverte diversas regras do gênero, transportando a aura sombria dos policiais dos anos 30 para a aridez das paisagens desérticas californianas. Neste universo dominado pela sordidez e a corrupção, Gittes acaba se envolvendo com Evelyn Mulwray (Faye Dunaway), filha do milionário Noah Cross (John Huston), cujos segredos familiares são fundamentais para a trama. Nicholson, presente em quase todas as cenas, como a notória sequência dos tapas em Dunaway, exibe uma atuação brilhante, transmitindo todo o cinismo e a perspicácia de Gittes, mas também sua genuína perplexidade diante dos fatos revelados. Um personagem complexo e inesquecível que o ator reviveria numa continuação dirigida por ele mesmo, A Chave do Enigma (1990). – por Leonardo Ribeiro

Um Estranho no Ninho (One Flew Over the Cuckoo’s Nest, 1975)
Numa de suas melhores performances, que lhe rendeu o Oscar de Melhor Ator – uma entre as cinco principais estatuetas que este longa-metragem recebeu – Jack Nicholson vive o criminoso Randle McMurphy, homem detido pela lei após estuprar uma moça de 15 anos, que tenta fugir da prisão e do trabalho pesado alegando insanidade. Enviado para um hospital psiquiátrico, lá pensa estar a salvo, fingindo uma condição que não possui. Infelizmente para ele, dentro do local se encontra o seu pior pesadelo: a autoridade, representada pela enfermeira Ratched (Louise Fletcher). Agitando seus colegas de confinamento, McMurphy causa estragos durante a estada no sanatório, mas também acaba conquistando amigos. Ele experimenta uma jornada de autoconhecimento, em que começa a finalmente a se importar com o próximo, ao ver a forma como seus colegas são tratados pela durona Ratched. Nicholson sempre conseguiu interpretar figuras fora de órbita, homens excêntricos que usavam a persona ácida do ator para alcançarem suas notas mais altas. Neste longa de Milos Forman não é diferente. A insanidade (e esperteza) do protagonista são intrínsecas ao intérprete. Uma performance que nos faz esquecer a canalhice de McMurphy, colocando-nos ao seu lado durante boa parte deste filme absolutamente genial. – por Rodrigo de Oliveira
 

Laços de Ternura (Terms of Endearment, 1983)
Foi por pouco que Jack Nicholson conquistou o papel e, consequentemente, o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante, nesta comédia dramática. James L. Brooks, diretor e roteirista da produção, escreveu o filme com Burt Reynolds em mente para interpretar o canastrão Garrett Breedlove, mas o ator recusou o convite e optou por protagonizar a comédia de ação O Imbatível (1983) – decisão da qual ele confessou se arrepender amargamente. Nicholson está impagável como o astronauta aposentado e paquerador que flerta com Aurora, personagem de Shirley MacLaine, que por sua vez compartilha todos os tipos de conflitos e amores típicos das relações familiares com sua filha, Emma (Debra Winger). O melodrama açucarado, baseado no best-seller homônimo de Larry McMurtry, apela a diversos artifícios para arrancar lágrimas e sorrisos de seus espectadores, mas faz valer a sessão principalmente pela engenhosidade de um roteiro ambientado durante 30 anos da relação entre mãe e filha e, igualmente, por suas grandes performances. Vencedor de cinco Oscars, incluindo os de Melhor Filme, Direção, Roteiro e Atriz, para MacLaine, eis um daqueles pequenos grandes filmes, atualmente um pouco datado, mas repleto de bons momentos e ainda mais especial pelo grande trabalho de Nicholson. – por Conrado Heoli

A Honra do Poderoso Prizzi (Prizzi’s Honor, 1985)
Uma das últimas produções da prolífica carreira de John Huston, esta surpreende trama policial aborda com destreza temas como máfia e a hipocrisia da sociedade conservadora, apresentando-se como uma comédia de humor negro. Adaptado de um romance de Richard Condon, a obra apresenta um Jack Nicholson mais discreto na pele de Charley Partanna, o afilhado do poderoso Don Corrado Prizzi (William Hickey), chefe de uma das mais influentes famílias mafiosas dos Estados Unidos. Trabalhando para o clã como matador, ele também tem relações com o passado da neta de Corrado, a ousada Maerose (Anjelica Huston). Ao estilo Sr. & Sra. Smith (2004), os dois iniciam um confuso romance que acaba em casamento, mas logo as coisas se mostram bem mais complicadas do que pareciam em princípio, já que ambos têm a mesma profissão. Não demora para serem contratados a fim de matar um ao outro. Evitando cenas de violência e focando nos diálogos que insistem na reflexão da sociedade burguesa, Huston comanda Nicholson numa entusiasmante sátira dos cotidianos policial e marginal. Como resultado, o filme foi indicado a oito Oscar, inclusive nas categorias ator e atriz. – por Victor Hugo Furtado

Ironweed (1987)
Não é surpreendente a preferência do diretor Hector Babenco por Jack Nicholson para estrelar este drama, pois ele era inclinado a personagens fora do eixo. A trama aborda a história do ex-jogador de beisebol Francis Phelan, que deixou a família após causar a morte acidental do filho recém-nascido. Esquizofrênico e desiludido com a vida, ele encontra um par perfeito na ex-cantora Helen (Meryl Streep). O alcoolismo os une, mas não apenas isso. São dois seres deslocados numa sociedade decadente, em que a miséria toma conta. Eles não se encaixam de maneira alguma. Nicholson apresenta esse personagem fragilizado com uma emoção mais contida do que muitos de seus papéis anteriores, deixando de lado os olhares psicóticos tão habituais, que os diretores adoram, para tornar seu Francis não apenas o resultado de um desempenho excepcional, mas alguém que poderíamos encontrar (e encontramos) na vida fora da tela. Méritos de um grande diretor, uma atriz excepcional ao lado e, claro, da versatilidade do nosso homenageado, ele que vai do céu ao inferno na mesma atuação. Neste caso, uma das mais doloridas de sua carreira, reconhecida, mais uma vez, com uma indicação ao Oscar. – por Matheus Bonez

Melhor é Impossível (As Good As It Gets, 1998)
Jack Nicholson tem uma personalidade excêntrica do lado de cá das telas, atributo que não poderia ser melhor aproveitada do que nesta dramédia romântica. No papel de Melvin Udall, escritor de sucesso que sofre de TOC (transtorno obsessivo compulsivo) e vive numa amargura sem fim, nosso homenageado exala asco no início do filme para, aos poucos, começar a conquistar o espectador e, claro, os colegas de cena. Com todo o seu talento irretocável, Nicholson transforma Melvin gradualmente, acompanhando linearmente o roteiro do filme, mas esbanjando personalidade. De um senhor rude com todos a um ser amável, seu personagem só precisa conhecer pessoas interessantes e que saibam bater de frente com tamanha aspereza para descobrir o que está escondido sob a casca grossa. Papeis que Helen Hunt, como a mãe solteira de um filho doente, e Greg Kinnear, como o artista plástico gay agredido, desempenham com excelência, auxiliando ainda mais nessa jornada de uma das melhores atuações da carreira do agora artista aposentado. Quando ele solta um singelo “você me faz querer ser melhor”, impossível não sentir os olhos marejarem. Um Oscar mais do que merecido na estante para uma performance realmente inesquecível. – por Matheus Bonez

As Confissões de Schmidt (About Schmidt, 2002)
Como viríamos a nos acostumar nos filmes comandados por Alexander Payne, o protagonista desta história se encontra em um momento conturbado, no qual precisa decidir os rumos da vida para tentar achar algum sentido em sua existência. Não parece uma jornada tão estranha a ser empreendida pelo personagem principal de qualquer história, a não ser que estejamos falando de um senhor de mais de 70 anos de idade, que acaba de se aposentar e que, para piorar, perdeu sua mulher. Num período em que nada mais deveria ser novidade, vem o destino para mostrar que sempre há tempo para aprender. Com um filho adotivo “virtual”, um menino da Tanzânia com quem se corresponde por cartas, e uma filha prestes a se casar com um sujeito imprestável, Warren Schimidt, interpretado com maestria por Jack Nicholson, resolve agir. Em uma de suas performances mais humanas, exalando vulnerabilidade, o ator constrói uma figura que percebe, depois de um tempo de inércia, que precisa se mexer para não perder o trem da história. Utilizando sua persona irônica a serviço da história, Nicholson consegue balancear bem a comédia com o drama, merecendo sua indicação ao Oscar por sua performance. – por Rodrigo de Oliveira

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