A Copa do Mundo chegou ao fim, mas não totalmente no Papo de Cinema. A Alemanha conquistou o título e, sem grandes rodeios, a nossa equipe fez sua seleção com os dez melhores filmes do país. Há clássicos da década de 1920 até longas recentes e elogiados pelo público, contemplando quase 100 anos de história da filmografia daquele país, um dos maiores produtores cinematográficos do mundo. Confira, opine, critique ou escolha seu favorito entre os dez títulos abaixo!

 

O Gabinete do Dr. Caligari (Das Cabinet des Dr. Caligari, 1920)
Um dos principais exemplares do Expressionismo Alemão, O Gabinete do Dr. Caligari pode ser encarado como um dos primeiros filmes de terror do cinema. Dirigido por Robert Wiene, a trama conta a história de Francis (Friedrich Féher), um homem que se viu às voltas com uma atração curiosa e mortal: o sonâmbulo Cesare (Conrad Veidt), controlado pelo ardiloso doutor Caligari (Werner Krauss). Diz-se que Cesare consegue prever o futuro – e as mortes que ele enxerga acabam realmente acontecendo. Francis perde seu amigo Alan em uma certeira previsão do sonâmbulo e começa a investigar o que Caligari esconde, até descobrir uma verdade surpreendente. Primor em sua direção de arte, cheio de cenários propositalmente tortos, representando a loucura da história, e com uma narrativa diferenciada – com direito a flashbacks e final surpresa, raros à época – O Gabinete do Dr. Caligari com seus quase 100 anos de história consegue impressionar até hoje com seu arrojo. Filme imprescindível para quem deseja entender o que foi o Expressionismo Alemão, o longa de Wiene não só é importante por representar um movimento cinematográfico, mas por ser exemplo de uma produção completamente à frente do seu tempo. – por Rodrigo de Oliveira

 

O Anjo Azul (Der blaue Engel, 1930)
Marco do que se convencionou chamar de expressionismo alemão no cinema, O Anjo Azul é o filme de uma época. Baseado no livro Professor Unrat, de Heinrich Mann, o protagonista do título é Imannuel Rath. Interpretado pelo notável ator Emil Jannings, Rath é o professor símbolo da disciplina e da seriedade. A maneira com que conduz as aulas, sisuda e severa, é o modelo a ser seguido pelos alunos. A educação e o respeito à autoridade são as crenças para o ensino moral de uma geração ainda abatida por uma Grande Guerra – e no caminho irreversível de outra. Quando percebe que a foto de uma jovem de cabaré chamada Lola Lola circula entre os alunos, distraindo-os, Rath resolve tomar uma providência. A intenção é repreender o local e salvar os garotos da tentação.  Mas como quem muito quer salvar acaba condenado, o encontro com Lola o transtorna completamente, tamanha a beleza e sensualidade da personagem interpretada por Marlene Dietrich. Perdidamente apaixonado, o professor passa de exemplo à chacota ao largar o colégio para viver à custa de Lola. Obra maior de Josef von Sternberg (O Expresso de Xangai, 1932), O Anjo Azul figura entre os filmes mais significativos e melancólicos da história do cinema. – por Willian Silveira

 

O Medo Consome a Alma (Angst essen Seele auf, 1974)
Necessário para quem pretende desbravar o cinema alemão e, principalmente, a filmografia conhecida como Novo Cinema Alemão, Rainer Werner Fassbinder foi um dos mais produtivos e criativos cineastas da história da filmografia do país.  Dentre tantos trabalhos essenciais e possíveis de serem destacados, ficamos com O Medo Consome a Alma, no qual Fassbinder avança no gênero que o fez referência, o melodrama. Mais que isso, a produção retoma outro mestre alemão e pai deste gênero cinematográfico, Douglas Sirk, através de seu filme de 1955, Tudo Que o Céu Permite. No longa de Fassbinder, uma mulher mais velha começa um romance inesperado com um imigrante e trabalhador marroquino. Porém, ele é mais novo que ela e o envolvimento não é visto com bons olhos por aqueles que os rodeiam. Mais tarde, Todd Haynes, influenciado pelo trabalho de Sirk e Fassbinder, faria a junção entre as produções com Longe do Paraíso (2002). – por Renato Cabral

 

Asas do Desejo (Der Himmel über Berlin, 1987)
Obra-prima de Wim Wenders, Asas do Desejo utiliza de uma trama aparentemente banal – anjo que se apaixona por humana e precisa abdicar de sua condição e virar mortal para viver este amor – para discutir temas caros não só à Alemanha da época, que estava às vésperas da queda do muro de Berlim e a reunificação do país, mas também a metafísica, o olhar do ser humano para si. Mais de dez anos depois, Hollywood fez sua “versão” para o filme de Wenders com Nicolas Cage e Meg Ryan nos papéis principais de Cidade dos Anjos (1998), romance que foi grande sucesso de bilheteria, mas que não chega aos pés da obra alemã. Se no filme americano o que importa é a história de amor como um melodrama, no longa de Wenders as questões são mais profundas. Vão do simples ato de tocar uma xícara de café para sentir sua temperatura como à própria complexidade do ser ou não ser. Não a questão shakespeariana em si, mas da própria transformação do ser humano, utilizando a passagem do anjo para o mundo dos mortais como a própria evolução de um ser, que começa a engatinhar, dá seus primeiros passos e precisa descobrir tudo, dos seus sentidos aos seus sentimentos. Não à toa que a produção, quase que totalmente passada em preto e branco, toma cores ao seu final. O significado não poderia ser mais otimista. – por Matheus Bonez

 

Corra, Lola, Corra (Lola rennt, 1998)
Experimentações com a linguagem do cinema normalmente resultam em obras primas que, na maioria das vezes, não são do agrado do grande público. Para esta parcela de espectadores, as novas linguagens só chegam após serem assimiladas (e às vezes diluídas) pelos grandes estúdios e franquias. Mas uma das maiores exceções a essa regra veio da Alemanha. Corra, Lola, Corra, hoje um clássico do cinema, desconstruiu de forma agressiva a estrutura clássica de narrativa cinematográfica. Contando uma mesma história de múltiplas maneiras dentro de um mesmo filme, Tom Tykwer incorporou em seu roteiro e decupagem a lógica dos jogos eletrônicos, nos quais os personagens têm várias “vidas” ou tentativas para atingir um objetivo. O grande trunfo é que o diretor fez isso sem deixar de lado algumas convenções de gênero e criando um visual bem sintonizado com a cultura pop do final dos anos 1990. O resultado é um filme que ainda faz a cabeça de cinéfilos (e nem tão cinéfilos assim) ao redor de todo o mundo. – por Dimas Tadeu

 

Adeus, Lênin! (Good Bye Lenin!, 2003)
Falar da Guerra Fria sob o ponto de vista cômico, porém sem perder a seriedade é uma tarefa quase ingrata na história do cinema recente. Quem conseguiu realizar esta façanha com elogios por todos os lados foi o cineasta Wolfgang Becker ao contar a história do filho que faz de tudo para que a mãe, fervorosa devota do socialismo e recém desperta de um coma, não descubra que o muro de Berlim foi derrubado e a Alemanha, reunificada, tenha se voltado ao sistema capitalista. Narrado de forma leve, mas nem por isso menos sensível, o longa mostra todos os passos dados pelo garoto, vivido por um então desconhecido Daniel Brühl que segue uma carreira em alta pelo mundo até hoje. Alex, o filho, muda embalagens de produtos, inventa documentários, entre tantas outras tarefas para recriar o antigo sistema e não perturbar a saúde de sua convalescida mãe. É a mise-en-scène inserida em outra mise-en-scène, o garoto que espetaculariza um antigo mundo, estabelece a farsa e a mantém, assim como o cinema faz com seu público. Talvez Becker não soubesse à época, mas seu filme não apenas ajuda a entender um momento histórico e suas ideias envolvidas como também homenageia a narrativa em sua concepção. Excepcional é o mínimo que se pode afirmar desta obra. – por Matheus Bonez

 

A Queda! As Últimas Horas de Hitler (Der Untergang, 2004)
Buscando contar os últimos dias da vida de Adolf Hitler, o diretor Olivier Hirschbiegel faz em A Queda um retrato interessante do ditador ao mostra-lo não só como um homem cuja visão de mundo era totalmente condenável (não à toa estamos acostumados a rotulá-lo como um monstro), mas também como um ser humano em uma situação de grande vulnerabilidade. Tendo como intérprete o brilhante Bruno Ganz (em uma atuação digna de todos os prêmios possíveis), o Hitler de A Queda surge como uma figura bastante debilitada e em plena decadência, sem ter o mesmo poder que tinha no início de seu mandato e que tanto influenciava seus seguidores. São detalhes que inevitavelmente tornam fácil para que o espectador se identifique com o personagem, por mais desumano que ele seja. Sem dúvida é um modo corajoso de retratar alguém como Hitler, sendo que isso é apenas um dos vários méritos deste filme impactante, que deve ser uma das melhores produções da década passada e foi indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2005. – por Thomás Boeira

 

A Vida dos Outros (Das Leben der Anderen, 2006)
Apesar das indicações posteriores de O Grupo Baader Meinhof (2008) e de A Fita Branca (2009), este drama político dirigido por Florian Henckel von Donnersmarck foi a última produção germânica a levar o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Este foi um dos tantos reconhecimentos conquistados por esta obra intensa e repleta de possíveis interpretações. Um filme completo, de fazer bonito em qualquer lugar do mundo – tanto que foi premiado também na Inglaterra, Argentina, Brasil, Espanha, França, Itália e Canadá, entre tantos outros lugares. O grande vencedor do German Film Awards – com sete vitórias – acompanha o cotidiano de um homem, agente da polícia secreta, que tem como atividade vigiar qualquer pessoa que possa ser considerada suspeita e contrária ao governo. O ano é 1984, ainda antes da queda do Muro de Berlim, e qualquer passo em falso pode ser interpretado da forma mais distorcida possível. É o que acontece quando um escritor e sua amante passam a ser observados, num processo crescente e tão envolvente que levará o antigo profissional a questionar sua própria missão. Um thriller eficiente e humano, que proporciona uma visão crua e direta sobre uma Alemanha que talvez não exista mais, mas cujo alerta segue válido independente da geografia. – por Robledo Milani

 

A Onda (Die Welle, 2008)
Decidido a ensinar aos seus alunos a realidade do Totalitarismo, um professor rompe a rotina normal de uma sala de aula e proclama a si mesmo o líder daqueles estudantes. Logo, estes são reunidos pelo uniforme, escolhem um símbolo, uma saudação e passam a se comportar de maneira extremista, executando exatamente aquilo que antes condenavam. Porém, a situação foge ao controle e ganha perigosas proporções que o educador não previra. Mais do que um filme eficiente e hipnotizante por seu tema, A Onda se faz necessário e exemplifica em pequena escala a facilidade com que qualquer grande sistema democrático vigente pode ser empurrado às garras de um regime autoritário. Sim, servindo como elucidante panfleto político. Em dias atuais de comunicação em massa, uma ideia de revolta cega e fervorosa contra nada em específico colocou em poucos dias milhões de brasileiros nas ruas em protesto. Bastaria apenas um foco, uma identidade comum, uma figura forte e talvez as manifestações tivessem sido coisa pior. Ontem, era a suástica e o “Heil Hitler!”, amanhã poderia ser a nossa própria bandeira e “o gigante acordou”. E só por levantar esse tipo de discussão, A Onda já merece aplausos – não saudações. – por Yuri Correa

 

A Fita Branca (Das weiße Band – Eine deutsche Kindergeschichte, 2009)
Muitos viram em A Fita Branca, filme do austríaco Michael Haneke, a exposição de algo semelhante à gênese do nazismo. Talvez não seja mesmo exagero relacionar a trama passada num vilarejo alemão, em 1913, e que é permeada por uma série de acontecimentos estranhos e violentos, com o Terceiro Reich. O acidente com o médico, no qual o cavalo tropeça num arame afiado que parece posto ali de propósito, leva à busca dos responsáveis. Só que mais atos de barbárie acontecem, sem que ao menos se tenha pistas de quem poderia estar por trás deles. Todos são suspeitos nessa sociedade doente, dominada por dogmas religiosos, culpabilidade e punição, ainda com poucos sinais genuínos de afeto. O ambiente é ideal para a deturpação moral e o surgimento de anomalias que, recorrentes, passam a cotidianas e, logo, aceitáveis dentro de determinado grupo. Haneke filma tudo com austeridade, mostrando a opressão que o meio exerce no indivíduo e que o enverga até o limite. – por Marcelo Müller

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