A terça-feira, último dia de exibições de curtas e longas-metragens da mostra competitiva do vigésimo sexto Cine Ceará, começou, como de costume, na sala de debates. Foi, talvez, o melhor desses bate-papos, muito porque a conversa também ocorreu entre os realizadores, eles que propuseram entre si questões acerca dos trabalhos que, de maneiras distintas, dialogaram na noite anterior. O mineiro radicado no Rio de Janeiro Samuel Lobo esmiuçou o processo criativo de Noite Escura de São Nunca, lançando luz sobre seus conceitos, esclarecendo as ferramentas das quais lançou mão a fim de retratar um Rio de Janeiro longe dos cartões postais, bem como para refletir a respeito das feridas deixadas pela ditadura militar.

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O filme de Beth Formaggini, Uma Família Ilustre, cujo protagonista é um ex-militar, foi igualmente bastante discutido. Beth mencionou suas motivações, os esforços de pesquisa, bem como as complexidades de se deparar com um agente da barbárie estatal, homem que se diz hoje convertido. Ela foi boa parte responsável pelo dinamismo do debate, por propor questões pertinentes aos filmes dos colegas, assim propiciando uma profícua troca de ideias. Também na mesa estava a equipe de Clarisse ou Alguma Coisa Sobre Nós Dois. Claramente apaixonado por seu ofício, o cineasta Petrus Cariry abordou detalhes da produção, do momento em que escolheu Sabrina Greve como sua protagonista (após assistir a O Duplo, curta de Juliana Rojas) aos elementos que impregnaram seu terceiro longa-metragem de tensão e de uma vontade muito grande de libertação.

Depois dessas conversas enriquecedoras, mais tarde, já à noite, um intensivo programa de curtas-metragens, os quatro últimos que concorrem, entre outros prêmios paralelos, ao troféu Mucuripe. A Festa e os Cães, de Leonardo Mouramateus, é um exercício que revolve os afetos do realizador, nem sempre instigante, mas ainda assim com certo peso emocional. Logo depois, foi a vez de Carruagem Rajante, de Jorge Polo e de Lívia de Paiva, ganhar a telona do Cine São Luiz, apresentando elaborada estética, mas um resultado hermético, de difícil acesso. Já Da Janela pra Consolação, de Dellani Lima, mostra um homem fechado em seu apartamento, chamado à vida novamente pelo fantasma de uma mulher do passado e pelas manifestações na rua de seu prédio. Por fim, Solon, de Clarissa Campolina, é um impressionante exercício experimental, ligeiramente cansativo, mas que aponta à grande capacidade da diretora de criar atmosferas e de provocar sentidos por meio do cinema.

O ator Daniel Daniel Groove e o diretor Dellani Lima, do curta Da Janela pra Consolação. Foto Chico Gadelha
O ator Daniel Groove e o diretor Dellani Lima, de Da Janela pra Consolação. Foto Chico Gadelha

Clever, longa-metragem uruguaio de Federico Borgia e Guilhermo Madeiro, trouxe personagens e situações insólitos à plateia. O protagonista, interpretado por Hugo Piccinini, se mete em poucas e boas num povoado inóspito no interior do Uruguai, com direito a visitas ao bar que vende picolés de vinho, a relação com o artista marombado e sua mãe pintora de corpos masculinos, e as topadas com uma dupla de lunáticos. O público riu e se envolveu bastante. Encerramento em alto astral. Agora é esperar o resultado. Quem sairá premiado do Ceará? Confira os últimos instantes do festival ibero-americano, aqui, no Papo de Cinema.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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