Afirmar que Cary Grant foi um dos maiores astros que Hollywood conheceu não é exagero. De presença marcante, elegância e senso de humor apurados, o ator britânico fez sucesso estrondoso durante os mais de quarenta anos de carreira, sendo o intérprete preferido de grandes mestres do cinema como Alfred Hitchcock, Stanley Donen, Howard Hawks, George Stevens e George Cukor. Mas nem sempre foi assim. Ele teve um começo de vida conturbado, com a ausência da mãe em tenra idade e o afastamento do pai. Mas vamos por partes.

Nascido Archibald Alexander Leach em 18 de janeiro de 1904, em Bristol, Inglaterra, o futuro Cary Grant se jogou cedo no mundo das artes, depois de fatos que traumatizariam qualquer criança. Aos nove anos, foi informado que sua mãe havia saído para viajar – quando, na verdade, tinha sido internada em um sanatório – perdendo o contato com ela por anos. Aos dez, se viu fora dos planos do pai quando este começou nova família. Adolescente, o então Archibald começou a viajar com grupos de teatro na Inglaterra, até ter a chance de viajar para os Estados Unidos, onde encenaria trabalhos na Broadway. Este era o início da carreira meteórica do jovem rapaz, que logo pulou para os cinemas.

Sua primeira chance de brilhar na tela grande, já rebatizado como Cary Grant por insistência da Paramount, estúdio que o contratou, foi ao lado de Marlene Dietrich. Em A Vênus Loura (1932), o galã vivia um milionário que significava a salvação para a protagonista, vivida pela estrela alemã, que necessitava de dinheiro para o tratamento de saúde do marido. Com este bem sucedido trabalho, os convites choveram. Com Mae West, protagonizou dois longas em 1933, ambos de grande bilheteria: Uma Loira para Três (indicado ao Oscar de Melhor Filme) e Santa Não Sou. O bom momento acabou passando por alguns anos, com muitos trabalhos, mas pouco reconhecimento. O retorno aos sucessos se daria em 1937, com a comédia romântica A Dupla do Outro Mundo, indicada a dois prêmios da Academia. O astro ficaria marcado por estrelar produções do gênero, atingindo outro alvo certeiro no mesmo ano com Cupido é Moleque Teimoso (1937), outro de seus filmes indicado ao principal prêmio da indústria de Hollywood.

Em 1938, faria sua primeira dobradinha com Howard Hawks, dividindo a cena com a grande Katharine Hepburn, em Levada da Breca. Com o diretor, faria ainda os elogiadíssimos O Paraíso Infernal (1939), Jejum de Amor (1940), A Noiva era Ele (1949) e O Inventor da Mocidade (1952), desta vez dividindo a tela com Marilyn Monroe e Ginger Rogers. Outra parceria rica, com Hepburn, rendeu mais três filmes: Vivendo em Dúvida (1935), um fracasso na carreira de ambos, o adorável Boêmio Encantador (1938) e o inesquecível Núpcias de Escândalo (1940), todos dirigidos por George Cukor. Neste último, o astro se encontraria com outro favorito de Alfred Hitchcock, o sempre confiável James Stewart.

Por falar no Mestre do Suspense, Cary Grant se transformaria em seu ator preferido após estrelar, ao lado de Joan Fontaine, o clássico Suspeita (1941), primeiro dos quatro filmes em que Hitchcock comandou o astro. Foi nesta produção que o galã mais próximo chegou de interpretar um vilão – papel que nunca defendeu em toda a carreira. Por demandas do estúdio, o final de Suspeita teve de ser trocado e a vilania do seu personagem foi extirpada. O cineasta não escondia sua predileção pelo astro (“o único ator que amei”, teria dito) e o dirigiria novamente em Interlúdio (1946), ao lado de Ingrid Bergman, Ladrão de Casaca (1955), com Grace Kelly, e Intriga Internacional (1959), no qual Eva Marie Saint fazia o seu par romântico. Neste último filme, o diretor britânico mostrou ao mundo seu verdadeiro apreço por Cary Grant. Após ter colocado a culpa em James Stewart pelo fracasso de bilheteria de Um Corpo que Cai (1958), o chamando de velho demais para cativar as plateias, Hitchcock escalou outro protagonista para Intriga Internacional. O detalhe? Grant é quatro anos mais velho que o preterido ator.

O sucesso das bilheterias já existia, a parceria com grandes diretores também, assim como dobradinhas com as maiores beldades de Hollywood. Mas ainda faltava alguma coisa. Um prêmio importante. Um sinal da Academia que ele estava dentre os maiorais. O primeiro passo foi dado em 1941, com sua elogiada atuação em Serenata Prateada, sob o comando de George Stevens. A indicação ao prêmio veio, mas a estatueta acabou nas mãos de Gary Cooper, por Sargento York (1941). Em 1944, no dramático Apenas um Coração Solitário, de Clifford Odets, nova indicação e nova derrota, desta vez para Bing Crosby, em O Bom Pastor (1944). Foram necessários quase trinta anos para que o Oscar chegasse às mãos de Cary Grant, mas na forma de um prêmio honorário, em 1970, quatro anos depois da aposentadoria do ator.

Antes de desistir de sua carreira no cinema, Cary Grant foi um pioneiro. Em uma época em que os atores ficavam presos a contratos milionários – e muitas vezes castrantes – o galã resolveu seguir seu próprio caminho. Assim que seu contrato com a Paramount se deu por encerrado, começou a trabalhar como freelancer, conseguindo acordos polpudos e tendo grande liberdade para escolher seus projetos. Criando sua própria produtora, pode dar asas a seus desejos e estrelou um de seus filmes preferidos, Indiscreta (1958), contracenando novamente com Ingrid Bergman, e sendo comandado por Stanley Donen, quem o dirigiu em inúmeras bem sucedidas produções: O Beijo de Despedida (1957), Do Outro Lado, o Pecado (1960) e Charada (1963), ao lado de Audrey Hepburn. Grant se sentia velho demais para se ver às voltas com um romance com uma jovem estrela, portanto pediu que o roteiro fosse escrito para que a moça perseguisse o seu personagem, não o contrário. Charada foi um dos últimos papeis defendidos por Grant, que largou a carreira em 1966 para cuidar de sua filha recém nascida, Jennifer, fruto do seu quarto casamento (ele se casaria ainda uma quinta vez, em 1981). Romances foram vários. Reza a lenda que participou do filme Tentação Morena (1958) apenas para ficar ao lado de Sophia Loren, por quem nutria uma paixão avassaladora. Mulheres nunca faltaram em sua vida, e alguns boatos davam conta de uma bissexualidade, sempre desmentida.

Cary Grant viveu mais bons vinte anos depois de ter abandonado a carreira em Hollywood, se dedicando à vida familiar e desempenhando papeis importantes no ramo de cosméticos e na aviação. Mais para o final da vida, passou a viajar o país respondendo perguntas de seus fãs em apresentações. Em 1986, no dia 29 de novembro, Cary Grant sofreu uma hemorragia no cérebro quando se preparava para mais uma apresentação nos palcos. O mundo do cinema perdia um dos seus maiores galãs, aos 82 anos de idade.

Filme imprescindível: Intriga Internacional (1959), último filme da sua rica parceria com o mestre Alfred Hitchcock;

Filme esquecível: Orgulho e Paixão (1957), produção na qual o galã dividia a tela com sua paixão Sophia Loren e com o cantor/ator Frank Sinatra;

Maior sucesso de bilheteria: Anáguas a Bordo (1959), comédia dirigida por Blake Edwards e com Tony Curtis no elenco;

Maior fracasso de bilheteria: Vivendo em Dúvida (1935), ainda que vários outros filmes desta época tenham feito pouco dinheiro também, este drama dirigido por George Cukor teria feito um pouco menos.

Primeiro filme: Esposa Improvisada (1932);

Último filme: Devagar, Não Corra (1966);

Guilty pleasure: Tarde Demais para Esquecer (1957), romance água com açúcar que serviu como base para Sintonia de Amor (1993);

Papéis perdidos: Quase interpretou James Bond em 007 Contra o Satânico Dr. No (1962), mas não queria assinar contrato para vários filmes, fazendo com que os produtores buscassem outro ator; Não trabalhou com Stanley Kubrick em Lolita (1962) por considerar a história inapropriada. Por fim, teve de recusar o papel que acabou nas mãos de Paul Newman em Cortina Rasgada (1966), pois havia decidido se aposentar após Devagar, Não Corra;

Oscar: Recebeu duas indicações, por Serenata Prateada (1941) e Apenas um Coração Solitário (1944), mas nunca levou a estatueta em competição. Seu único Oscar veio em 1970, pelo conjunto da obra;

Frase inesquecível: “Todo mundo quer ser Cary Grant. Inclusive eu gostaria de ser ele”.

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é crítico de cinema, membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista, produz e apresenta o programa de cinema Moviola, transmitido pela Rádio Unisinos FM 103.3. É também editor do blog Paradoxo.
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