Para além dos temas políticos, predominantes na sua coletiva de imprensa, Joaquim, o primeiro filme brasileiro a entrar na competição de Berlim após Praia do Futuro (2014), recebeu efusivos elogios, muitos direcionados a Júlio Machado, ator que interpretou um dos grandes mitos da História brasileira. Em nítida sintonia com as revisões historiográficas que têm colocado as paixões individuais no primeiro plano em detrimento de leituras estruturais, o roteiro do próprio Marcelo Gomes recria aquilo que teria sido a vida de Joaquim Silvério dos Reis, o “mártir” Tiradentes, muito antes dele ser “herói”. Conforme diz o cineasta, de registros efetivos sobraram apenas sua certidão de batismo e os autos de seu julgamento.

 

Herói por acidente

Por isso mesmo, na primeira sequência do filme o “próprio” Tiradentes questiona por que coube a ele a figura de mártir (e “perder a cabeça“), quando muitos outros conspiraram. “Ninguém escolhe ser herói“, diz o diretor. “Isso se dá de forma circunstancial“. À medida que se embrenha num Brasil profundo, a trama arrisca a clássica “jornada do herói” – gastando um bom tempo (o trecho mais questionável das opções do roteiro, diga-se) numa expedição relativamente vazia de significado. O contrário do que acontece em outros momentos.

As elites brasileiras não tinham ideias socialmente reformadoras, elas apenas queriam tomar o lugar dos portugueses, mas manter as mesmas estruturas“, disse Gomes.  E há uma sequência preciosa para explicar tal ideia: nela, o agora vagamente messiânico rebelde almoça com os “grandes fidalgos”, enquanto a câmera circula por uma mesa em que tudo os diferencia (a maneira de comer, por exemplo). As ideias libertárias (e ingênuas) de Joaquim recebem uma gargalhada espontânea da esposa do “aristocrata”.  Está contada não a história de um traidor (da Coroa), mas de alguém traído. O filme ainda passa ideia de que o negro trouxe a rebeldia para o Brasil (vide a sequência no quilombo). Um dos melhores instantes é uma espécie de “baile dos despossuídos”, com um índio e um africano dançando e cantando, cada um à sua maneira.

Cena de Joaquim

Os portugueses e o pecado original da colonização

Um jornalista lusitano presente na coletiva (o filme é uma coprodução Brasil/Portugal) questionou a vilanização dos patrícios e a sugestão de que eles seriam os responsáveis pela corrupção do país hoje em dia. Gomes empurrou a resposta, entre risos gerais, para a coprodutora portuguesa de Joaquim, “que vai falar sobre o sucesso que esse filme vai ser em Portugal“. Pandora Cunha-Telles, da Ukbar, foi curta e grossa: “Esse filme toca numa ferida que nós tentamos ocultar, dizer que não existe, primeiro, do nosso papel no tráfico de pessoas escravizadas, e, segundo, da corrupção. Por isso, questionar se isso é uma herança de Portugal… É, isto é uma herança! Não vale a pena pôr areia e dizer que isso não é um fato“.

Marcelo Gomes salienta: “Gostaria de acrescentar que todas as colonizações são brutais, o que me chama atenção é a diferença entre a inglesa e a espanhola, nas quais se levavam as famílias à nova terra. No Brasil, a ideia era apenas explorar“.

Júlio Machado, elogiado na pele de Tiradentes

Prêmio para Melhor Ator?

Um jornalista da coletiva apontou o ator Júlio Machado como grande favorito para prêmio máximo na categoria. Limitando-se inicialmente a sorrir, ele explicou depois que, para a composição de seu personagem, passou um mês no local das filmagens, buscando integrar-se com a natureza. “O que eu tentava compreender em relação ao Joaquim era essa esperança eterna de achar algo que tire a pessoa de uma situação que por vias normais talvez você nunca encontre“.

(Entrevista feita ao vivo em Berlim, Alemanha)

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