Steven Soderbergh é quase um Woody Allen no que diz respeito ao volume de trabalhos produzidos. A média é de um por ano, mas, muitas vezes, o cineasta chega a lançar dois filmes por vez de tão workaholic que é. Com uma carreira que transita da comédia para o drama, da ação policial ao suspense cheio de reviravoltas, o diretor, roteirista e montador não esquece nunca sua veia política esquerdista, seja chamando a atenção de forma descarada em seus roteiros com filmes históricos como as partes um e dois da história de Che Guevara (ambos de 2008), a indústria farmacêutica em Terapia de Risco (2013) ou o tráfico de drogas no oscarizado Traffic (2000).

Vencedor de um Oscar, de mais 29 prêmios e com outras 49 indicações, Soderbergh diz que vai se aposentar da carreira cinematográfica – o que chega a ser difícil de acreditar, já que o mesmo comentário já foi feito outras vezes nos últimos anos. O certo é que em quase 30 anos de carreira já são 37 produções que variam entre filmes, telefilmes e minisséries. Uma carreira tão intensa merece os devidos créditos. Por isso, no seu aniversário de 51 anos, no dia 14 de janeiro de 2013, a equipe do Papo de Cinema resolveu elencar seus cinco melhores filmes – e aquele que merece um destaque.

 

Sexo, Mentiras e Videotape (Sex, Lies, and Videotape, 1989)
Por Marcelo Müller

Steven Soderbergh nunca se “recuperou” de Sexo, Mentiras e Videotape, seu filme de estreia, vencedor, inclusive, da Palma de Ouro no Festival de Cannes. Logo após, proposto a alternar filmes comerciais e obras mais arriscadas, o cineasta, no geral, meio que frustrou (mesmo enquanto propunha-se a fazer arte) a euforia de muitos que no fim dos anos 1980 o festejaram como grande promessa do cinema independente americano. No centro da trama de Sexo, Mentiras e Videotape temos o casal que vive uma fase de marasmo. Eis que a chegada de um amigo dele do passado bagunça ainda mais as relações. Graham (James Spader) é esse homem misterioso que grava – e se excita com – mulheres relatando suas vidas sexuais. O “mistério” que emana do forasteiro desperta Ann (Andie MacDowell) de uma suposta frigidez, enquanto abala a confiança do marido (infiel) John (Peter Gallagher). Outros personagens entram nesse jogo intrincado cujos ingredientes principais são o sexo e as conexões afetivas. Ainda que tenhamos mudado muito de lá para cá como sociedade e na maneira com a qual encaramos questões de cunho sexual, Sexo, Mentiras e Videotape, transcorridos mais de 20 anos, continua atual.

 

Irressistível Paixão (Out of Sight, 1998)
Por Matheus Bonez

Após estourar no cenário mundial com Sexo, Mentiras e Videotape (1989), Steven Soderbergh minguou alguns anos com obras que não chamaram a atenção de público e crítica. Foi preciso Irresistível Paixão chegar aos cinemas quase uma década depois para que seu nome voltasse aos holofotes. E não é para menos. Antes de mais nada, o roteiro (indicado ao Oscar) é baseado numa obra de Elmore Leonard, um dos mais famosos escritores da literatura policial norte-americana. A montagem é uma das mais bem realizadas da carreira do cineasta.  Há também cenas quentes provocantemente protagonizadas pelos inspirados George Clooney e Jennifer Lopez. Porém, acima de tudo, o filme de Soderbergh aposta na teoria do McGuffin de Alfred Hitchcock para contar não a história de um ladrão que rouba o carro de uma agente penitenciária, mas sim desenvolver a tal paixão do título nacional que surge entre os dois. Com isto, o filme torna-se uma das comédias românticas policiais mais divertidas não apenas das duas últimas décadas, mas de toda a história do gênero.

 

Erin Brockovich – Uma Mulher de Talento (Erin Brockovich, 2000)
Por Yuri Corrêa

Uma mulher com três filhos para criar inferniza um advogado até que este dê a ela um emprego em sua firma, onde então ela começa a investigar a fundo um caso sobre uma empresa que, supostamente, estaria deixando substâncias tóxicas se infiltrarem nos lençóis freáticos de uma região. Poderia ter sido filmado por qualquer um e Soderbergh nunca foi um diretor que se destacou por uma linguagem cinematográfica sofisticada, apesar de a fotografia de Traffic (2000), por exceção, ser um dos principais méritos daquele longa. Porém, quando se trata de saber o que filmar para poder montar posteriormente, temos que lhe dar créditos; seus filmes, bons ou ruins, possuem sempre ao menos uma montagem eficiente e pensada desde a decupagem, que presenteiam o produto final com um ritmo admirável. Característica que, obviamente, não poderia deixar de estar presente neste seu Erin Brockovich. O filme é mais conhecido por ter dado um Oscar para Julia Roberts (merecidamente), embora o próprio cineasta tenha concorrido a diretor contra ele mesmo por Traffic, tendo ganho oficialmente por este último. E não faz diferença também. Ambos os trabalhos são excepcionais e marcam o melhor ano da carreira do cineasta até hoje.

 

Traffic (2000)
Por Thomás Boeira

No filme que lhe rendeu o Oscar de Melhor Direção em 2001, Steven Soderbergh faz um retrato instigante da guerra contra as drogas. Traffic acompanha três núcleos narrativos: em Tijuana, um policial (Benicio Del Toro) tenta acabar com os cartéis da região; em Ohio, um juiz (Michael Douglas) é promovido a czar das drogas no governo, mas descobre que sua própria filha (Erika Christensen) é usuária; e em San Diego, dois policiais (Don Cheadle e Luis Guzmán) protegem uma testemunha (Miguel Ferrer) que pode colocar um traficante (Steve Bauer) atrás das grades, enquanto a esposa (Catherine Zeta-Jones) deste tenta salvar ele e seus negócios. Com o roteiro desenvolvendo cada núcleo ao mesmo tempo, a montagem faz um excepcional trabalho ao pular de um a outro sem quebrar o ritmo do filme, enquanto que a fotografia (assinada pelo próprio diretor, mas com seu famoso pseudônimo, Peter Andrews) constrói uma lógica visual muito interessante, que ressalta muito bem o clima de cada história. Traffic ainda conta com brilhantes atuações de seu elenco, em especial Michael Douglas, Catherine Zeta-Jones, Don Cheadle e Benicio Del Toro, sendo que este último ganhou o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante por seu trabalho no filme.

 

Magic Mike (2012)
Por Dimas Tadeu

Soderbergh é o tipo de realizador claramente esquerdista. E se tem uma coisa que todos os seus filmes fazem, sob diversos aspectos, é criticar o sistema capitalista e suas falhas. O óbvio obstáculo do diretor neste sentido é que ele trabalha para uma das maiores, senão a mais simbólica, indústria capitalista do mundo: a cinematográfica norte-americana. Assim, seu artifício mais comum (e interessante) para contornar esse problema é disfarçá-lo de espetáculo, fazendo a crítica sempre de dentro pra fora. Poucas vezes, no entanto, esse espetáculo foi tão grande quanto em Magic Mike. Livremente baseado na história de Channing Tatum, protagonista, o filme mostra o “dia a dia” (mais pra noite a noite) de uma casa de strippers masculinos. É claro que um deles sonha mais alto do que isso e, de repente, surge o paralelo entre arriscar fazer o que se gosta ou se vender para uma indústria milionária. Divertido, diferente, por vezes até esquisito, Magic Mike é provavelmente uma das críticas mais esdrúxulas que Soderbergh já fez. Por isso mesmo, imperdível.

 

+1

 

Minha Vida com Liberace (Behind the Candelabra, 2013)
Por Robledo Milani

Ao receber o Globo de Ouro por sua atuação como o protagonista Liberace, Michael Douglas afirmou ter sido abordado pela primeira vez por Steven Soderbergh com a ideia de fazer um filme sobre a vida do icônico showman norte-americano há mais de uma década, quando filmavam juntos o oscarizado Traffic (2000). Este é mais um exemplo do quão aberta é a mente de Soderbergh, um cineasta autoral e livre de amarras, que pode fazer um longa sobre o tráfico de drogas ao mesmo tempo em que se ocupa com o relacionamento homossexual e escandaloso entre um artista símbolo de uma era e seu amante trinta anos mais jovem. Minha Vida com Liberace foi considerado “gay demais” pela maioria dos grandes estúdios de Hollywood, o que o obrigou a levar sua ideia para a HBO, canal de televisão responsável por alguns dos projetos mais ousados e criativos do momento. Como resultado temos um telefilme selecionado para o prestigiadíssimo Festival de Cannes, premiado no Emmy e no citado Globo de Ouro e ainda indicado ao Bafta. Mas o melhor mesmo é acompanhar o olhar desprovido de preconceitos do diretor, que faz dessa explosão de cores um drama absolutamente íntimo e verdadeiro.

 

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