Melodramático, kistch, depravado, feminino. São tantos os adjetivos para descrever o cinema de Pedro Almodóvar que fica fácil se perder na fácil categorização. Considerado o maior cineasta espanhol desde Luis Buñuel, o estilo do diretor se tornou referência e Almodóvar pode ser considerado um dos grandes autores da cinematografia atual. Realizador de obras primas como Tudo Sobre Minha Mãe (1999) e Fale com Ela (2002), o currículo do cineasta é um dos mais invejáveis e conta com comédias geniais desde o início de sua carreira, como Que Fiz Eu Para Merecer Isto? (1984) e Maus Hábitos (1983) até dramas intensos como Matador (1986) e Ata-me (1990). Mesmo filmes que dividiram público e crítica como Kika (1993) e Má Educação (2004) tem seu lugar de destaque.

Vencedor de 100 prêmios e indicado a outros 76 em seus quase 40 anos como diretor, Almodóvar completa 64 anos no dia 24 de setembro de 2014. E para celebrar uma carreira tão rica em seu repertório, a equipe do Papo de Cinema escolheu cinco de seus melhores filmes – e mais um que, apesar de não ser tão querido, merece ser lembrado. Não estranhe se outras grandes peças do currículo ficaram de fora desta lista, como Carne Trêmula (1997), A Flor do Meu Segredo (1995) e A Lei do Desejo (1987). É tanta coisa boa que, fatalmente, talvez nem um Top 10 contemplasse tudo que Almodóvar merece.

 

Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos (Mujeres al Borde de un Ataque de Nervios, 1988)
Por Robledo Milani
Pedro Almodóvar era um cineasta revelação e com apenas cinco ou seis filmes quando lançou Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos, sua primeira demonstração de maturidade e de que seria capaz de ir além da mera provocação e da polêmica por si só. No centro de uma ação envolvendo nada além do que relacionamentos amorosos, estão mulheres desesperadas, apaixonadas, alucinadas, enlouquecidas. Um amante desaparece, uma esposa é confrontada, uma advogada é desmascarada. Ninguém é o que parece ser, ao mesmo tempo em que nenhum destes incríveis personagens consegue guardar por muito tempo sua verdadeira identidade. Assim como o próprio Almodóvar, que aqui conseguiu sua primeira indicação ao Oscar – como Filme Estrangeiro – mostrando ter muito mais a oferecer do que até então podia-se suspeitar. Além disso, foi também nessa ocasião que foram revelados para o mundo nomes como Carmen Maura e Antonio Banderas. Um filme que não envelheceu nem um dia desde seu lançamento, antecipando um cineasta no auge do seu talento.

 

Tudo Sobre Minha Mãe (Todo Sobre Mi Madre, 1999)
Por Renato Cabral
Almodóvar é um daqueles cineastas que possuem filmes que precisam ser vistos e revistos. Seu cinema bebe em diferentes fontes e a sua originalidade é criada a partir de um apanhado de referências cinematográficas que são “pescadas” aos poucos pelo espectador. Com citações imersas em sua narrativa e estética, o espanhol cria suas obras e apresenta em Tudo Sobre Minha Mãe, provavelmente, seu grande filme, ao contar a história de uma mãe (Cecilia Roth) que perde o filho em um acidente que acontece quando o garoto tenta pedir um autógrafo, no dia de seu aniversário, a uma atriz (Marisa Paredes) no final de uma peça de teatro em um dia chuvoso. A mãe acaba, por forças do destino, trabalhando para a atriz que causou indiretamente a morte de seu filho. Com isso, Almodóvar desdobra sua história em um dos grandes melodramas já realizados, adicionando as características do seu cinema: a Espanha, as cores berrantes, a força da mulher, os homens brutos e os transsexuais. Fica ainda o registro das ligações que Almodóvar faz com outras obras, como por exemplo, o cinema de John Cassavetes (Noite de Estreia, 1977, em especial) e Douglas Sirk, a peça Um Bonde Chamado Desejo (1947, de Tennessee Williams) e o grande clássico A Malvada (1950), de Joseph L. Mankiewicz, além de muitas outras que imprimem uma capacidade e delicadeza de encontrarem novos contextos.

 

Fale com Ela (Hable con Ella, 2002)
Por Marcelo Müller
Dois homens velam mulheres desacordadas em camas hospitalares. O enfermeiro, lá na frente julgado por ato inusitado (apaixonado ou canalha?), e o jornalista consternado ante o acidente que vitimou sua noiva. Tudo começa na plateia do Café Müller, espetáculo de Pina Bausch, onde eles se encontram casualmente, e prossegue dentro da lógica absurda do acaso (ou do destino?) na clínica onde repousam suas doentes: a bailarina cujo corpo é conduto da beleza artística e a toureira, domadora da natureza alheia para, com isso, fazer emergir algo de artístico. Fale com Ela aponta a outros rumos do que se convencionou chamar almodovariano, pois ligeiramente deslocado do kitsch característico do espanhol, mesmo tão intimamente ligado ao cineasta quanto qualquer outro de seus precursores. É um filme focado no amor, do sôfrego ao desbragado, do platônico ao histriônico. A complexidade de amar, a relevância de atos muitas vezes incompreendidos, ambas são filtradas por ótica na qual reinam paradoxos. Sim, porque o melodramático Fale com Ela extrai intensidade do detalhe, é sóbrio ainda que fundado no barroco fundamental a Almodóvar.

 

Volver (idem, 2006)
Por Matheus Bonez
Se uma das principais características do cinema de Almodóvar é o carinho por suas mulheres, Volver pode ser considerado mais do que uma ode a elas, mas também uma forma das mesmas tomarem o poder, de se livrarem dos jugos do mundo machista – especialmente o hispânico. Através da história das irmãs Raimunda (Penélope Cruz, intensa como nunca em atuação indicada ao Oscar) e Sole (Lola Dueñas) e seu encontro com o fantasma da mãe, Irene (Carmen Maura), o cineasta pinta um retrato sobre a feminilidade através da metalinguagem e também da personalidade de cada uma. A câmera é voltada a elas e a presença dos homens – que mal aparecem – serve como gatilho, mas eles não mais que meros coadjuvantes (quiçá figurantes). As situações melodramáticas, tão típicas da filmografia do cineasta, alcançam uma profundidade ímpar em um roteiro tão cheio de singularidades e ideias complexas – mesmo que as mesmas pareçam tão simples à primeira vista. O espectador, seja feminino ou masculino, só tem a agradecer ao cineasta por um presente como este.


A Pele que Habito
(La Piel que Habito, 2010)
Por Willian Silveira
O cirurgião plástico Robert Ledgard (Antonio Banderas) mantém a bela Vera Cruz (Elena Anaya) presa em casa. Há algo mais, porém, do que um simples cativeiro. As primeiras cenas anunciam, junto à trilha sonora, a história de suspense. Antecipar detalhes do enredo, neste caso, é delatar. Como na convalescença, em que se recobra a saúde aos poucos, no roteiro de A Pele que Habito, as informações encaixam-se momento após momento, compondo um quebra-cabeça doentio, de vingança, obsessão e fatalidade. Nunca Almodóvar se pareceu tanto com David Cronenberg, diretor canadense que transformou o corpo em história, e o drama desta história em tema do seu cinema. A imutabilidade das marcas, o passado involuntariamente inscrito no presente. Se em Cronenberg, o corpo era definitivo, em Almodóvar irá além. Ledgard é a ciência desvirtuada, o homem atormentado, e por isso, o limite desconhecido. Adaptado do livro Tarantula, do francês Thierry Jonquet, Almodóvar constrói com suas cores características (em outro belo trabalho do diretor de arte Antxón Gómez) um terror camuflado, sem gritos ou sustos.

 

+1

 

Abraços Partidos (Los Abrazos Rotos, 2009)
Por Rodrigo de Oliveira
Pedro Almodóvar é conhecido por ter uma filmografia recheada de personagens femininas fortes. É interessante notar que em Abraços Partidos, o cineasta espanhol resolveu mudar de ares e ter um homem como protagonista. Mesmo que Penélope Cruz seja o primeiro nome dos créditos e figura principal do belo cartaz do filme, é Lluís Homar quem nos conduz pela trama misteriosa. Escrito pelo próprio Almodóvar, Abraços Partidos nos apresenta, primeiramente, ao cineasta Harry Caine, um homem cego que ganha a vida escrevendo roteiros. Certo dia, Caine recebe a visita de um rapaz que se autodenomina Raio X, uma figura de seu passado que desencadeará memórias há muito soterradas. Memórias de um tempo em que atendia pelo seu nome de batismo, Mateo Blanco, quando conheceu o ciumento Ernesto e sua bela esposa Lena. Almodóvar é inteligente ao separar a história em dois momentos distintos, nos mostrando primeiramente as cicatrizes de um passado que não conhecemos para depois nos desvelar os pontos cruciais da trama. Dignos de nota são as citações à Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos (1988), do próprio Almodóvar, e Viagem à Itália, de Roberto Rossellini, que completam o pacote inteligente criado pelo diretor espanhol.

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