Gus Van Sant é um dos diretores do chamado “cinema americano contemporâneo” que mais usa de experimentações narrativas, estéticas e linguísticas para aprimorar seu trabalho. Às vezes há tropeços, como a refilmagem take a take de Psicose (1998), pelo qual recebeu o Framboesa de Ouro de Pior Direção. Porém, em muitas outras ocasiões, o caminho é escolhido corretamente, como comprovam os oscarizados Gênio Indomável (1997) e Milk: A Voz da Igualdade (2008), além do multipremiado Elefante (2003), pelo qual recebeu a Palma de Ouro e mais dois reconhecimentos.

Cineasta afeito a temas como a homossexualidade e, especialmente, a tensa relação entre juventude e morte (seja através da violência ou de conflitos internos), Van Sant atualmente produz Sea of Trees, um dos roteiros da chamada “black list” de Hollywood,  aquelas histórias que são promissoras e devem dar o que falar, mas ainda não foram dirigidas. Na trama, em um local conhecido como “a floresta da morte”, os personagens de Matthew McConaughey e Ken Watanabe falam sobre suicídio. Enquanto o longa não chega aos cinemas, a equipe do Papo de Cinema comemora o aniversário do diretor no dia 24 de julho com a lista de seus cinco melhores filmes – e mais um que merece ser lembrado. Confira!

 

Garotos de Programa (My Own Private Idaho, 1991)
Por Thomás Boeira

Depois de estourar com Drugstore Cowboy (1989), Gus Van Sant fez aquele que deve ser seu filme mais arriscado até hoje. Como o próprio título brasileiro indica, Garotos de Programa conta a história de Mike Water e Scott Favor, dois amigos que vendem seus corpos pelas ruas de Portland. O primeiro sofre de narcolepsia e é um rapaz pobre e carente, enquanto o segundo vem de uma família rica e está apenas à espera da herança do pai. É quando eles entram em uma viagem na tentativa de encontrar a mãe de Mike, que o abandonou quando ele era criança. Van Sant realiza aqui um conto sensível e melancólico, que fala muito sobre a necessidade de sermos amados e de pertencermos a um lugar. O diretor ainda tem sorte de contar com atuações inspiradíssimas de River Phoenix (um ator excepcional que nos deixou cedo demais) e Keanu Reeves, que têm uma dinâmica absolutamente admirável e fazem de Mike e Scott personagens que ficam na mente do espectador por um bom tempo.

 

Gênio Indomável (Good Will Hunting, 1997)
Por Rodrigo de Oliveira

Matt Damon e Ben Affleck são astros reconhecidíssimos na Hollywood atual. Damon fez uma carreira cheia de papéis interessantes e tem cada vez mais se empenhado em escolher personagens desafiadores. Affleck teve sua parcela de erros, mas como diretor tem se mostrado um talentoso artista, tendo comandado o ganhador do Oscar Argo (2012). Em 1996, a situação estava longe de ser a mesma. Os dois jovens atores circularam por estúdios com um roteiro debaixo do braço tentando sua execução. O título? Gênio Indomável. Quase realizado pela Castlerock, que demandava atores famosos nos papeis centrais, o roteiro acabou chegando na Miramax, onde encontrou um diretor que gostou muito do material. Seu nome era Gus Van Sant. O cineasta não só conseguiu extrair ótimas atuações dos relativamente novatos Damon e Affleck, como comandou uma elogiada e premiada performance de Robin Williams, como o psiquiatra do protagonista. Com humor e drama na medida certa e uma história que mostra o potencial perdido de um jovem rapaz brilhante, mas com temperamento forte, Gênio Indomável foi a boa surpresa de 1997, tendo sido indicado a nove Oscars (incluindo Melhor Filme e Diretor) e vencido dois (Ator Coadjuvante, para Williams e Roteiro, para a dupla de amigos Damon e Affleck).

 

Elefante (Elephant, 2003)
Por Marcelo Müller

Por mais que o diretor Gus Van Sant diga que Elefante não se baseia no episódio trágico conhecido como Massacre de Columbine, ocorrido em 1999, no qual dois adolescentes atiraram contra vários colegas e professores, é evidente que o acontecimento serviu como base para o filme. Na trama, aparentemente nada ocorre na escola secundária, a não ser o transcorrer normal de um dia qualquer. Mas, nesta falsa inércia, no ir e vir dos adolescentes pelos ambientes, vemos a exposição de relações abaladas por fissuras de convivência e a tão alardeada prática do bullying dissimulada de cotidiano. As mesmas cenas são vistas de ângulos diferentes, sob pontos de vistas diferentes, num artifício narrativo inteligente para dar voz e um pouco de protagonismo a todos. Paralelo a isso, os dois jovens que viriam a se tornar assassinos estão em casa, entre jogos típicos à idade e a preparação do arsenal bélico que utilizarão. Até uma criança compra armas nos EUA. Elefante é um filme tão pungente por seu conteúdo – a maneira incisiva como expõe as enfermidades da sociedade americana – como pela forma.

 

Paranoid Park (2007)
Por Yuri Corrêa

No fundo, Paranoid Park é sobre um garoto cujo maior crime é ser um adolescente. Alex é um skatista e um menino um tanto quanto introspectivo, alheio aos furores hormonais dos outros jovens que o rodeiam. Ele é, claro, mais um protagonista de Gus Van Sant preso em um conflito interno de autoconsciência, onde os pequenos conflitos são banais e, portanto, tratados pelo cineasta com o silêncio merecido, como na sequência em que Alex termina seu namoro. De outra forma, o cineasta investe em sons fora da diegese para retratar os sentimentos do garoto e, durante um banho, ouvimos os sons naturais de uma selva, por exemplo. O verdadeiro crime, o homicídio em torno do qual gira a trama, é apenas um estopim para mergulharmos na poética narrativa de Gus Van Sant, que diversas vezes acompanha de perto o olhar do menino através de inserções, câmeras lentas e closes. Não é um aprofundamento completo ou um complexo estudo de personagem, mas um retrato sincero daquele instante de sua vida.

 

Milk: A Voz da Igualdade (Milk, EUA, 2008)
Por Robledo Milani

Gus Van Sant sempre foi, durante toda a sua carreira, um cineasta identificado com a causa homossexual – muito em parte, é claro, por ele próprio ser gay assumido. Desde seu primeiro longa como diretor – Mala Noche (1986), sobre o amor entre dois adolescentes, um deles um imigrante ilegal mexicano – passando pelos emblemáticos Garotos de Programa (1991), sobre gays masculinos, e Até as Vaqueiras ficam Tristes (1993), cujas personagens principais são lésbicas, a sensibilidade para as relações homoafetivas sempre despertaram seu interesse. Porém, nunca este discurso foi tão forte e poderoso quanto nesta cinebiografia de Harvey Milk, uma dos maiores ativistas homossexuais dos Estados Unidos e o primeiro homem assumidamente gay a ser eleito a um cargo público naquele país. Interpretado com maestria e total entrega por Sean Penn a partir de um roteiro muito conciso de Dustin Lance Black – ambos merecidamente reconhecidos com o Oscar – Van Sant consegue oferecer um olhar completamente inédito a uma trajetória já conhecida até mesmo no prêmio da Academia – o documentário The Times of Harvey Milk (1984) foi premiado na categoria. Ainda assim, seu discurso permanece mais atual do que nunca, além de ser proferido por alguém que entende como poucos do assunto.

 

+1

Inquietos (Restless, 2011)
Por Dimas Tadeu

Gus Van Sant demonstra ao longo de sua obra a fascinação por dois temas: juventude e morte. De alguma forma, cada filme seu toca, com maior ou menor intensidade, estes extremos. Para ligá-los, o cineasta usa elementos como sexualidade, vaidade e insanidade. Porém, o +1, Inquietos, trata-se justamente daquele filme em que essas duas pontas se tocam diretamente, com uma simplicidade até então incomum à obra do cineasta. Dado a experimentações vanguardistas e técnicas narrativas alternativas, aqui o diretor abaixa o próprio tom para que a história e o os atores falem por si. Em tempos de A Culpa é das Estrelas (2014), dá gosto ver um filme de enredo semelhante que não abusa de recursos apelativos ou de roteiros clichês para dar seu recado. No fim, o lenço acabará encharcado da mesma forma, mas a mente também sairá cheia de idéias. E o coração, quente e inquieto, como sugere o título.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
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